Axiônimo: Freud explica
Não sei se Sigmund Freud – o pai da psicanálise – escreveu algo sobre a necessidade que o ser humano tem de cercar seu nome de títulos, mas se não, certamente ele atrelaria isto a algum complexo de inferioridade. Na língua portuguesa esse tipo de coisa é conhecido como axiônimo (a designação que se dá às formas de tratamento ou às expressões de reverência, como “Dr.”, “Exmo.”, “Vossa Santidade”, etc.).
Há quem argumente que os axiônimos são sinônimos de respeito ou até admiração, mas, na verdade, eles estão bem mais próximos da subserviência e do velho jogo de poder que move a sociedade. Parece brincadeira, mas em países da Europa, como França e Inglaterra, há quem pague verdadeiras fortunas por títulos de nobreza vendidos por famílias outrora ricas, mas hoje em plena decadência. Só mesmo alguém muito fútil para comprar um título de “conde” ou de “duque” para passar um verniz na sua origem plebéia.
Como nobreza no Brasil é algo que sobrevive apenas nas fachadas de estabelecimentos comerciais (“Rei dos Pneus”, “Príncipe dos Estofados” e por aí vai), terminam prevalecendo por aqui outros axiônimos. O primeiro da lista é o “doutor”, que, além de ser usado por pessoas que nunca fizeram doutorado na vida, costuma ser empregado como reverência a qualquer um com “cara de rico”.
Quem quiser fazer o teste da importância que muitos dão para isso, basta telefonar para alguns consultórios médicos, escritórios de advocacia ou gabinetes de deputados em busca dos respectivos titulares. Assim que a secretária atender, deve-se mencionar apenas o nome do médico, do advogado ou do deputado com quem se quer falar. Normalmente ela tentará corrigir o interlocutor do outro lado da linha com uma reprimenda velada, do tipo “o(a) senhor(a) quer falar com o doutor fulano-de-tal?”
Embora “doutor” seja o preferido, há outros axiônimos que também são atrelados aos nomes como um valor agregado. Entre os mais comuns estão “professor”, “padre” e “pastor” – estes nem tanto pela importância sócio-econômica, mas por uma espécie de supremacia intelectual ou espiritual. Por mais que eu diga para meus alunos para me chamarem pelo nome, muitos insistem no “professor” antes. Deixo claro, porém, que prefiro o tratamento via nomes.
Um episódio ocorrido há algumas décadas num programa de entrevista na extinta TV Itacolomi, de Belo Horizonte, ilustra bem como deveriam agir as pessoas que valorizam o que realmente vale a pena. Convidado para debater a vida após a morte, entre outras autoridades religiosas e científicas, Chico Xavier (escritor espírita e médium já falecido) aguardava o momento de falar, enquanto o apresentador do programa resumia para os telespectadores os currículos dos participantes, todos repletos de mestrados, doutorados e outros títulos considerados importantes pela sociedade. Quando chegou a sua vez, o apresentador perguntou como deveria tratá-lo, e ouviu dele a seguinte resposta: “Chico já está de bom tamanho”.
Quem dera pudéssemos todos chegar a esse grau de maturidade! Quem dera pudéssemos aprender com um homem que neste mundo foi venerado como uma verdadeira sumidade, mas que teve a sabedoria de optar pela humildade e viveu até a morte como alguém cujo apelido tão comum tinha mais valor do que qualquer título que pudesse forjar uma grandeza frágil e fugidia.
Chico Xavier sabia que um axiônimo pode simbolizar um abismo entre pessoas, entre classes sociais. Ele sabia que um “doutor” antes do nome pode soar mais arrogante do que respeitoso. E talvez soubesse também que este mesmo axiônimo pode perfeitamente ser um complexo de inferioridade – mais de quem o adiciona ao próprio nome do que de quem o usa para reverenciar alguém. Quem sabe Freud não explica?