Tricôs, bordados e divagações
Em pleno século 21, ouvir alguém dizer que prefere fazer bordado a ver televisão nos momentos de folga, em casa, é, no mínimo, diferente. Pois foi exatamente o que ouvi há algum tempo de uma colega de trabalho, que disse encontrar no “bordado vagonite” (algo totalmente desconhecido para mim até então!) uma verdadeira terapia.
O assunto surgiu numa conversa sobre a programação da TV aberta, que hoje traz a violência e a banalidade como carro-chefe. Ao ouvir a “confissão” sobre a “terapia do bordado”, outro colega foi enfático: “mas isso é coisa de velho!”
As respectivas colocações dos meus dois colegas me fizeram lembrar de cenas da infância, quando andava pelas ruas de Boa Nova-BA (minha cidade natal) e via nas janelas e calçadas mulheres bordando, tricotando e divagando em conversas animadas ou mesmo sozinhas, perdidas em pensamentos. O tempo parecia não ter pressa e o mundo “respirava” uma aparente calma, enquanto aquelas mãos ágeis davam conta de criar maravilhas com agulhas e linhas coloridas.
Era uma época de pouquíssimos recursos tecnológicos, principalmente naquelas bandas do Brasil. Nem a mente mais fértil seria capaz de imaginar ficções até então futuristas como a internet, o telefone celular e o DVD (nem videocassete havia!). Até a TV (valvulada e em preto e branco) e o telefone convencional eram artigos de luxo de pouquíssimas famílias. Ninguém sabia dos conflitos e misérias do outro lado do mundo; nem mesmo do restante do país. As casas “viviam” de portas abertas e era possível encontrar as pessoas à noite com as cadeiras nas calçadas ou conversando na pracinha do coreto. As crianças, então, sentiam-se como os vaga-lumes que elas capturavam para encher vidrinhos-lanternas.
Não se trata de mero saudosismo. É constatar que algumas mudanças realmente não foram para melhor. Não há qualquer conquista tecnológica que consiga superar a riqueza que havia naquele pequeno universo de simplicidades. É como se o mundo tivesse ficado excessivamente artificial. Falo de uma época em que tricô e bordado não precisavam ser vistos como recursos terapêuticos. Eram simplesmente produções artesanais de fácil acesso. Aliás, eram bons motivos para divagações da alma.
Nunca tive habilidade para trabalhos manuais, o que me leva a ter ainda mais admiração por quem tece aquelas intrincadas teias. Para mim, alguém que maneja agulhas e linhas com tanta maestria deve ter mais facilidade para destrinchar problemas.
Meu colega está totalmente equivocado ao achar que bordado é coisa de velho. Se alguma pesquisa constatar que isso é verdade, então temos mais este motivo para respeitar os integrantes da Terceira Idade e para aprender com eles. Quem sabe não está exatamente aí uma saída para os que se sentem oprimidos por estes tempos conturbados? Aprender a tricotar ou a bordar e se mudar para alguma cidade pequena em busca de ar puro, cadeiras nas calçadas e janelas e portas abertas.