A queda do Pégaso

No rol dos seres imaginários, como a Sereia, a Fênix e o Dragão, o Pégaso é o que se pode chamar de perfeita combinação nesse mundo fantástico. Mas não é para menos: se o cavalo já é imponente por sua beleza, vigor e elegância, o que não dizer dele com um majestoso par de asas?

Em 1980, no disco “Bazar Brasileiro”, o cantor e compositor baiano Moraes Moreira colocou melodia numa letra genial do não menos genial poeta Jorge Mautner, contando exatamente o surgimento deste ser alado. Na “Lenda do Pégaso” tudo começa com um passarinho feio que não aceitava a sua condição natural e desejava ser todas as outras aves.

“Sonhava ser uma gaivota porque ela é linda e todo mundo nota; naquela de pretensão queria ser um gavião; e quando estava feliz, ser a misteriosa perdiz”. Assim era o passarinho feio, que quis ainda ser galo, corvo, garça, colibri, sabiá, canário e até cegonha. Na música esta lenda termina com Deus se apiedando do passarinho feio e o transformando no Pégaso, o cavalo voador.

Essa história me faz lembrar até onde é capaz de ir a vaidade. Muitos são os que se acham “passarinhos feios” e desejam ser o que não são. Não é por acaso que tem crescido tanto a procura por cirurgias plásticas, academias, tratamentos capilares e de rejuvenescimento. Não que este tipo de coisa seja um ingrediente negativo na vida de alguém. Bem dosada, a vaidade pode ser uma alavanca na conquista pessoal de objetivos honestos e de caráter positivo. Pode até vir a tirar do buraco quem tenha se colocado nele por depressão, auto-depreciação ou mero desleixo.

Perigosos mesmo são casos como o do pop-star Michael Jackson, que mais uma vez volta a ser o centro das atenções não pela sua arte, mas por suas esquisitices. Aos 48 anos, o cantor foi o principal responsável por sua própria metamorfose física. Ele hoje não tem sequer um único traço do Michael que já aos 5 anos integrava, com outros quatro irmãos, o grupo “The Jackson Five”. A banda fez tanto sucesso que entre 1969 e 1971 emplacou cinco das seis músicas mais tocadas em rádios do mundo todo. À época Michael Jackson fazia parte da raça negra e era querido por sua voz e por seu talento precoce.

Menos de duas décadas depois ele já havia feito várias plásticas, mudado a cor da pele e se cercado de atitudes bizarras, como construir uma casa imitando a Terra do Nunca, onde vive a personagem infantil Peter Pan. Aliás, esta talvez seja a única atitude coerente em sua personalidade desestruturada: desejar ser Peter Pan – o menino que não queria crescer. O problema é que sua vontade de continuar sendo criança é apontada há algum tempo como pedofilia camuflada. Pior ainda é saber que alguém assim se coloca na condição de pai de três filhos (Prince Michael I, Paris Michael e Prince Michael II – nomes que só reforçam a megalomania deste “passarinho feio” que almejou vôos de Pégaso).

Na mitologia grega esse cavalo alado teria nascido do pescoço de Medusa (a mulher com cobras no lugar de cabelos, cujo olhar era capaz de transformar uma pessoa em pedra). Ao ter a cabeça decapitada pelo herói Perseu, Medusa deu origem ao Pégaso, que passou a servir aos deuses do Olimpo. Theodor Adorno, filósofo alemão, usou este mito para lembrar que a beleza pode nascer do terror. Mas o inverso também é válido: da busca desenfreada pela beleza podem surgir formas inesperadas do mesmo terror.

Tendo ainda essa mitologia como referência, dá para imaginar duas possíveis hipóteses para explicar a trajetória de Michael Jackson. A primeira é a de que, admitindo que ele tenha realmente deixado a condição de passarinho feio para se tornar um Pégaso, seja agora um Pégaso sem asas. A segunda – que talvez seja a mais provável – é a de que ele tenha nascido com espírito de Pégaso e se tornado, com sua vaidade doentia, o passarinho feio que é hoje.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 14/05/2008
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