Arrogância infantil
É muito positivo constatar o quanto as crianças das novas gerações são mais independentes em suas escolhas e atitudes. Desde cedo elas costumam ser bem decididas na hora de escolher o que vestir, onde ir ou o que querem ou não fazer.
Por outro lado – e talvez até resultado disso mesmo – demonstram ser um tanto arrogantes no trato com os adultos e entre elas próprias. Se as crianças da minha geração foram educadas a tratar de senhor e senhora os pais e as pessoas mais velhas, atualmente elas chegam a ser desrespeitosas com os adultos, tratando-os como se fossem membros de suas turmas.
Nem tanto nem tão pouco. O caminho do meio é quase sempre uma escolha mais ponderada, com menos vícios. Para pais ou professores que se proponham a ser educadores de verdade é maravilhoso saber que seus filhos ou alunos os respeitam não por medo, mas por consideração e confiança.
A educação nos moldes antigos apostava no respeito conquistado através da imposição, da coação e do medo gerado a partir disso. Reprimidas, as crianças, muitas vezes, encontravam na adolescência ou mesmo na vida adulta todos os motivos do mundo para se rebelar, para fazer escolhas erradas. Já os educadores que tentam ir pelo caminho da aproximação autêntica – baseada no afeto e no desejo de ensinar aprendendo – podem ajudar as crianças a se tornarem adolescentes mais seguros e adultos mais comprometidos com a maturidade espiritual e com a boa convivência consigo e com os outros.
Mas há aqueles adultos que negam as duas opções anteriores e confundem não reprimir com permitir absolutamente tudo. As crianças e os adolescentes, em geral, precisam de orientação, sim. Eles não estão maduros nem física nem mental nem espiritualmente. Entregar-lhes as rédeas de suas próprias vidas tão cedo é correr sério risco de vê-los se transformar em pequenos ditadores, arrogantes e prepotentes em plena infância. Isso não é prepará-los para serem livres, independentes; é deixá-los acreditar que a liberdade se conquista a qualquer preço e que independência pressupõe a existência de pessoas para servi-los sempre.
Em uma de suas crônicas o escritor Affonso Romano de Sant´Anna faz uma análise da imperiosa sensação de perda de poder que todos os pais sentem um dia. Diz ele: “há um período em que os pais vão ficando órfãos de seus próprios filhos. É que as crianças crescem independentes de nós, como árvores tagarelas e pássaros estabanados. Crescem sem pedir licença à vida. Crescem com uma estridência alegre e, às vezes, com alardeada arrogância. Mas não crescem todos os dias de igual maneira. Crescem de repente...”
Que bom que cresçam, até porque isso é inevitável. Mesmo para os que ainda não são pais, como eu, é possível imaginar o quanto deve ser gratificante olhar para o filho adulto e enxergar nele as qualidades essenciais plantadas na infância e cultivadas na adolescência. Este é o maior legado que um educador pode deixar para as novas gerações. Orientá-las no sentido da independência de pensamento e de ação, mas sem perder de vista a autocrítica, a compaixão, a humildade e a perseverança no Bem.
Os que optam por isso certamente não terão a angústia de, no futuro, arrepender-se pelo que deixaram de fazer. Sobre estes Affonso Romano descreve bem o tipo de sensação que os invade: “deveríamos ter ido mais à cama deles ao anoitecer para ouvir sua alma respirando conversas, confidências entre os lençóis da infância, e os adolescentes cobertores daquele quarto cheio de adesivos, pôsteres, agendas coloridas e discos ensurdecedores. Não os levamos suficientemente ao Play Center, ao shopping; não lhes demos suficientemente hambúrgueres e Cocas; não lhes compramos todos os sorvetes e roupas que gostaríamos de ter comprado. Eles cresceram sem que esgotássemos neles todo nosso afeto”.