Psicanálise na mesa de bar

“A psicanálise é uma prática de falar e escutar. Trata dos problemas enfrentados pelas pessoas no dia-a-dia. A experiência de ser ouvido é muito poderosa. Definitivamente, tem efeito benéfico. É verdade que num mundo ideal ninguém precisaria de analista. O diálogo com os amigos daria conta do recado. O problema é que não temos a coragem de contar certas coisas aos amigos.”

O trecho anterior é parte de uma entrevista de Adam Phillips, considerado um dos psicanalistas mais influentes da Inglaterra e responsável pela segunda tradução do alemão para o inglês da obra de Sigmund Freud – o “pai da psicanálise”. Ele defende que Freud é bem mais acessível do que foi passado na primeira tradução para o inglês (e daí para outras línguas) na década de 1950. “Chegou a hora de libertar Freud do establishment médico e das universidades. A psicanálise tornou-se um culto misterioso entendido e dominado apenas pelos iniciados. Não há necessidade para isso”, disse Phillips.

Seguindo essa linha, ele vai mais além e chega a afirma que ninguém deveria escolher a profissão de psicanalista para enriquecer, e que os preços das sessões deveriam ser baixos e o serviço acessível. Sem meias-palavras ele é taxativo: “deve-se desconfiar de analistas caros. A psicanálise não pode ser medida pelo padrão consumista, do tipo ‘se um produto é caro, então é bom’. Todos precisam de um espaço para falar e refletir sobre sua vida”.

Finalmente pude ler algo sem muitos rodeios sobre psicanálise dito por alguém da área e com um currículo respeitável a credenciar suas colocações. Em uma de suas composições, Caetano Veloso ressalta que “de perto ninguém é normal”. Se isso, de fato, for verdade, nenhum de nós está apto a escapar da visita a um analista. Até porque não deve haver um ser humano que não tenha sido atingido por um problema qualquer. Em maior ou menor grau, todo mundo guarda possíveis traumas e recalques a serem corrigidos antes que virem doença física ou psicológica.

Acredito nos bons efeitos que certas terapias (convencionais ou alternativas) possam trazer para as pessoas, principalmente aquelas que manifestam claros sinais de apatia e depressão. Conheço pelo menos uma dúzia de amigos que são testemunhas dos seus resultados. No entanto, tenho convicção de que as minhas melhores (e únicas) “terapias” foram feitas com esses mesmos amigos em incontáveis mesas de bar. Não que eu faça ou tenha feito parte do time dos que batem cartão nos bares da vida e são normalmente rotulados de “bebum”, “pingunço” ou adjetivos do tipo. É que já na adolescência tínhamos pouco espaço em nossas casas para as longas e livres conversas que achávamos tão necessárias nessa fase. Então, marcávamos presença nos nossos bares preferidos e ficávamos horas e horas conversando sem parar. Os temas eram os mais diversos, mas tínhamos uma preferência em falar de nós, das nossas vidas, dos nossos problemas, dos sonhos que acalentávamos... As cervejas, as caipirinhas, os tira-gostos nada mais eram do que parte do cenário que compõe qualquer bar, assim como os garçons que se tornam quase cúmplices daqueles momentos ou os desconhecidos nas mesas ao redor, dos quais nunca conseguimos decifrar os segredos.

É certo que a psicanálise não é tão simples como as conversas de bar, mas também não dá para negar quão eficazes estas últimas podem ser, desde que vivenciadas com propósito, com a verdade de quem deseja se mostrar ao avesso. Antes, porém, que alguém possa concluir que faço aqui uma ode rasgada à boemia, é bom lembrar que falar e ouvir é algo que se pode fazer em qualquer lugar, com ou sem acompanhamentos. O que vale mesmo é o exercício do se expressar, feito simultaneamente ao do abrir ouvidos e coração ao outro.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 12/05/2008
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