MPB ou mpb?
Para justificar qualquer escolha pessoal ou para evitar serem envolvidos por algum tipo de crítica, muitos escapam pela tangente usando a velha máxima “gosto não se discute”. Enquanto gosto continuar sem discussão, muito lixo vai sendo empurrado goela abaixo de quem pensa que quer e de quem não quer de jeito algum. Exemplo disso é o que vem sendo produzido e consumido no Brasil em termos de música desde meados da década de 80.
A Bahia, que já foi festejada pela safra nobre de grandes compositores, cantores e músicos, hoje consome e exporta o substrato do lixo chamado axé (tenho mais motivos para estas palavras ácidas, pois sou baiano e vi isso tudo nascer e ganhar corpo). Até mesmo as bandas de baile – que animavam as noites interioranas naquele estado – deixaram de lado os ousados repertórios com Beatles, Rolling Stones e outros grandes nomes da música nacional e internacional, para exibirem a mesma formação e proposta do “É o Tchan” e cia.
Lembro-me, nos idos de 1987, ainda estudante da Universidade Federal da Bahia, o surgimento no circuito universitário de um grupo de teatro chamado “Los Catedrásticos”. Ainda sem o renome local e mesmo nacional de anos depois, o grupo trazia uma deliciosa comédia com críticas às letras que recheavam a axé music desde então. O espetáculo – chamado “A Novíssima Poesia Baiana” – apresentava atores e atrizes vestidos com trajes de gala, como se estivessem em um recital de poesia do século passado. Com tom de eloquência, declamavam pérolas como “Vamos abrir a roda, enlarguecer... Tá ficando apertadinha; por favor, abra a rodinha, meu amor, abra a rodinha” (sucesso na voz da cantora Sarajane. Alguém se lembra?).
Dá pra imaginar o quão atual é esta peça?! Tanto é que o Los Catedrásticos a reapresentou tempos depois, mudando apenas o repertório para os hits do momento. Era de morrer de rir ouvir toda aquela baboseira (inclusive com todos os “Ô ô ô, aiê, aiô”) sem qualquer música, com os ritmos clonados uns dos outros. Enfim, há quem insista chamar o axé, o pagode, o breganejo ou o funk carioca de Música Popular Brasileira, mais conhecida como MPB. Concordo que tais estilos sejam até populares (afinal, quem consegue lutar contra o império da indústria fonográfica), mas MPB já virou sinônimo de um estilo musical bem mais trabalhado e marcado pela qualidade de letra e música.
Sendo assim, para diferenciar o joio do trigo, proponho que deixemos a MPB para o que a sigla já designa e coloquemos “mpb” (música pobre brasileira) para os sucessos descartáveis do momento. Basta grafar um estilo com letras maiúsculas e o outro com minúsculas e amenizaremos esta confusão. Realmente uma confusão de conceitos e de discurso, pois a mídia carioca já anuncia a exaustão da música baiana para o surgimento de um ritmo sucessor: o funk! É verdade, “tá tudo dominado”: rádios, programas de TV, festas, cartazes, lojas de CD, o boca-a-boca, os nossos ouvidos...
Bem que poderiam surgir várias versões do Los Catedrásticos para trazer à tona as novíssimas poesias baiana, carioca, paulista, etc. Imagine só uma música chamada “Tchutchuca” com essa maravilha de refrão: “vem tchutchuca, vem aqui com o seu Tigrão... Vou te jogar na cama e te dar muita pressão”. Ou ainda “O Baile Todo”, do mesmo grupo funk, que é um verdadeiro atentado à gramática: “melhor tu se preparar que o Tigrão vai te ensinar! Agora é ruim de tu fugir que o Tigrão vai te engolir. Se tu corre por aqui eu te pego logo ali”. O “Créu”, então, seria um terrível monólogo, apenas com variações gestuais e guturais.