A tirania do Axé & Cia

Não dá para ter dúvidas de que, em muitos aspectos, estamos vivendo numa democracia. No entanto não há também quem possa negar que em outros tantos sofremos a opressão de verdadeiras tiranias. Para não passear pelas inúmeras áreas em que esse tipo de coisa pode ser facilmente identificado, registro aqui apenas o que tem sido empurrado goela abaixo, ou melhor, ouvido adentro do povo brasileiro em termos de música.

Três gêneros musicais dominaram a década de 1990 nas programações das rádios e TVs e na venda de CDs. O axé, o pagode e o sertanejo geraram pelo menos o triplo de cantores, cantoras, grupos e duplas do que o rock nacional conseguiu produzir na década de 1980. Logo atrás desse trio vem o forró, que disputa palmo a palmo a preferência nos estados do Norte e Nordeste.

As indústrias fonográfica e de entretenimento, além da mídia como um todo, descobriram nisso uma mina de ouro sem precedentes. Com tantas cifras à vista elas colocaram mais lenha na fogueira e instituíram a tirania que tem determinado o que temos que ouvir. Mesmo os que têm opinião própria e que conseguem selecionar em casa o que ouvem são vítimas desse massacre musical que toma conta de bares, lojas, rádios, TVs e onde mais possa haver um aparelho de som ligado.

Alguns defendem os gêneros citados com o único argumento de que são os estilos que mais agradam ao povão. Mas ninguém pode gostar mesmo do que não conhece! Se as rádios fossem mais democráticas e tocassem um pouco de tudo; se os programas de TV levassem outros artistas além dos habituais; se os bares contratassem atrações com perfis variados; se, enfim, a grande indústria fonográfica fosse menos burra e gananciosa teríamos músicas para todos os gostos e até gostos para todas as músicas...

Acontece que existe um mercado paralelo que reúne artistas, gravadoras, produtoras e selos independentes, que vem também mostrando as caras e tentando um lugar ao sol. Você, leitor, já ouviu falar de nomes como Virgínia Rosa, Maria Maia, Monica Tomasi, Sagarana, Carlos Ernest, Grupo Trilos, Klébi, Marina Salomon, Vanzye, Makely Ka, Aline Calixto? Pois esta turma toda existe e tem ótimos CDs gravados ou uma carreira fora do circuito dos estúdios comerciais. Estão na estrada há algum tempo fazendo seus shows, mostrando suas composições, tentando dizer ao mundo que o Brasil é rico musicalmente e que ele não pode ser conhecido somente pelas matrizes e cópias que dominam o mercado.

O novo milênio trouxe novos caminhos para quem tem realmente algo de bom a dizer. O próprio universo fonográfico e os grandes meios de comunicação já estão sendo obrigados a aceitar isso. A Internet já oferece uma infinidade de opções para quem quer mostrar suas produções artísticas, inclusive com tecnologia de ponta. Um claro exemplo disso é o roqueiro Lobão que, banido do time das gravadoras multinacionais, lançou há alguns anos o que ele chamou de CD-Manifesto intitulado “A vida é doce”, vendido apenas pela Internet e bancas de jornais. O cantor e compositor o espalhou pelo mundo todo e totalmente por conta própria, tocando on-line através de MP3 – um recurso que se multiplicou ao longo dos últimos sete anos.

O crescimento do chamado mercado alternativo tem como aliado o declínio do monstro criado pela própria indústria da música, que tem anunciado quedas vertiginosas de seus nomes mais significativos, liderados pela turma do axé. Para se ter uma idéia dos números, basta dizer que o Terra Samba, Araketu e Ivete Sangalo, que venderam em 1998 respectivamente 2 milhões, 1,8 milhão e 700 mil CDs, caíram no ano seguinte para respectivos 240 mil, 250 mil e 200 mil. Claro que ainda são números grandiosos, mas desde 1997 as pesquisas mostram que os últimos CDs de axé music só atingem de 10 a 30% dos trabalhos anteriores.

Ao contrário do que possa parecer, eu não tenho “axé&ciafobia”. Já passei vários carnavais em Salvador e gosto de artistas que tocam este gênero, como Gerônimo, Lazzo Matumbi e Carlinhos Brown. Também adoro dançar forró e chego a ouvir algum pagode ou sertanejo, dependendo das circunstâncias. No mais, sou baiano, nordestino e brasileiro e valorizo o nosso potencial criativo. Mas, antes de tudo, sou cidadão do planeta e gosto de saber das outras culturas, de ouvir outros tipos de música e mesmo de vê-los mesclados à nossa. Também não consigo aceitar que sejamos escravos de quaisquer tipos de tiranias, principalmente aquelas que impedem as pessoas de conhecer além do que a elas é oferecido.

Roberto Darte
Enviado por Roberto Darte em 06/05/2008
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