O angustiante futuro do pretérito
Se o Brasil tivesse sido descoberto pelos ingleses talvez fôssemos hoje uma nação como os Estados Unidos; se não tivessem ocorrido as duas grandes guerras do século 20 o mundo talvez não tivesse hoje a bomba atômica; se o golpe militar de 1964 não tivesse acontecido seríamos um outro país... Além de servir como referência para análise do que já passou e do que pode se repetir, o futuro do pretérito só funciona mesmo nos filmes de ficção científica.
Na trilogia “De volta para o futuro”, um personagem tem a chance de mudar o seu presente ao conseguir voltar ao próprio passado numa máquina do tempo. Esta é a única maneira de consertar os erros do passado. Fora isso, o futuro do pretérito, que aprendemos a conjugar nos primeiros anos de escola, é o que há de mais surreal na gramática de qualquer idioma.
Exatamente por levantar uma hipótese impossível de se comprovar é que ele traz à tona sentimentos que vão da angústia à culpa, passando pela impotência diante do momento em que se vive. “O melhor lugar do mundo é o aqui e o agora”, já disse o cantor, compositor e atual ministro da Cultura – Gilberto Gil, referindo-se à dificuldade que as pessoas têm em lançar âncora no presente.
O que são o saudosismo exagerado e a preocupação (“pré-ocupação”) senão reflexos disso tudo? O passado é a base que sustenta historicamente o ser humano, seja coletiva ou individualmente, servindo como um registro concreto dos seus erros e acertos. Mas apenas isso! Não dá para tomá-lo como um determinante incondicional das escolhas que podemos ou devemos tomar, enquanto povo ou indivíduo, no exato instante em que vivemos.
Confesso que nunca gostei da trágica idéia do pecado original, herdado, segundo a Igreja Católica, a partir de um erro daqueles que seriam os primeiros seres criados por Deus. É certo que é difícil apagar heranças que atravessam séculos como maldições, a exemplo do genocídio que os primeiros brancos que aqui pisaram cometeram com nossos índios. Nem por isso os brasileiros precisam se envergonhar, como se ainda fizessem parte dos erros de seus antepasados.
Seria, por exemplo, uma grande injustiça alguém ser expulso de sua pátria apenas por ser descendente de Hitler. Parece uma comparação ingênua e despropositada, mas ilustra bem o quanto pode o passado interferir nos rumos do presente e atingir pessoas que nenhuma responsabilidade teve pelo que se fez lá atrás.
Somos, sim, responsáveis pelo momento em que vivemos e por tudo que estamos construindo e destruindo. Assim como também temos responsabilidade em não consertar o que consideramos erros do passado que insistem em continuar existindo. Isto é real, é atual, é possível. Há uma grande diferença em lutar para que as tribos indígenas ainda existentes possam ter uma vida digna, com terras legalizadas e condições materiais que possibilitem isso, e continuar recorrendo ao passado para condenar os que viveram e fizeram da história o que ela é.
E já que estamos falando em verbo, é oportuno dizer que quatro deles podem nos ajudar a entender uma complicada equação que bem traduz a opção existencial feita por uma fatia considerável da humanidade no presente. Imaginando-se que o correto seria as coisas estarem à serviço do bem estar do homem e não este ser escravo do que produz e possui, a melhor ilustração disso seria um círculo com o SER no centro, seguido imediatamente pelo ESTAR e pelo FAZER, para só depois aparecer, mais periférico, o TER.
No entanto, o individualismo, o egocentrismo, a ganância e a escassez de respeito e amor inverteram esta ordem. No círculo, tudo parece girar em torno do TER, alavancado pelo FAZER, deixando exilados na periferia o SER e o ESTAR. Diante disso, é até compreensível que muitos tenham nostalgia de épocas que nem mesmo viveram ou que fiquem presos numa teia de culpas analisada pela lente do futuro do pretérito.