Receita de Rubem Alves
Cada vez mais pessoas no mundo inteiro se pegam sentindo uma incômoda sensação de que falta algo para dar sentido às suas vidas. Quando este algo é um projeto não definido ou um sonho pouco provável de ser concretizado, nem mesmo chega a ser um problema. Complicado mesmo é quando ele é descrito como um vazio sem nome e sem forma, que conteúdo algum parece ser capaz de preencher.
Este tipo de vazio sequer pode ser chamado de tristeza com causas identificáveis ou mesmo de um princípio de depressão. É como se alguém, de uma hora para outra, saísse de si e se olhasse de fora, conseguindo enxergar simultaneamente corpo e alma.
Pode até parecer esquisito descrever ou visualizar tal estado de espírito, mas é certo que ele se manifesta de um jeito bem concreto. Talvez esse vazio momentâneo possa significar algum aviso, uma mensagem do espírito dizendo que estamos precisando de uma pausa para nos perceber melhor. Ou, quem sabe, pode até ser aquele fio solto da roupa que, puxado pouco a pouco, desfaz a veste inteira.
Mesmo não sendo um estado depressivo em sua versão mais aguda, esse tipo de sensação pode perfeitamente apontar para este rumo. Aí já é motivo para se colocar em alerta. Normalmente uma pessoa deprimida apresenta como principal sintoma a desesperança. E falta de esperança é o mesmo que falta de projetos para o futuro, que, por sua vez, deixa o presente vazio de sentido.
Para alguém em depressão um dia ensolarado chega a ser uma afronta. Neste estado a luz interior se encontra apagada e qualquer claridade maior ofusca a alma, já imersa na penumbra. Não é à toa que se costuma dizer que uma pessoa assim chegou ao fundo do poço.
Sobre esse intrincado tema há vários livros, várias teorias. No entanto, para lançar nele alguma luz me socorro em poucas palavras do sempre certeiro Rubem Alves. Em uma de suas muitas crônicas, o educador e psicanalista mineiro faz uma diferenciação entre otimismo e esperança, normalmente tidos como dois grandes antídotos para a depressão.
Ele tenta mostrar que, mesmo parecendo sinônimos, esperança é o oposto do otimismo. “Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração”, definiu o escritor.
Rubem Alves vai mais além e ressalta que “o otimismo tem suas raízes no tempo; a esperança tem suas raízes na eternidade. O otimismo se alimenta de grandes coisas. Sem elas, ele morre. A esperança se alimenta de pequenas coisas. Nas pequenas coisas ela floresce. Basta-lhe um morango à beira do abismo”. Sem dúvida, uma diferença bem sutil, principalmente em se tratando de sentimentos aparentemente complementares.
Se Rubem Alves consegue encontrar diferenças tão significativas entre otimismo e esperança, o que dizer das diferenças entre apatia e otimismo, vazio e esperança? Talvez o primeiro passo para quem já esteja à beira do abismo ou mesmo no fundo dele seja olhar para o lado à procura de um morango, ao menos. O psicanalista diz ainda que em pleno século 21, tudo o que temos são “morangos à beira do abismo, alegria sem razões; a possibilidade da esperança”. É como continuar acreditando naquela máxima da luz no fim do túnel.