Colonização Moderna
A dizimação praticada pela colonização, notadamente espanhola e portuguesa, nos meados do milênio passado, não menos piedosa que as batalhas entre os povos antigos, sejam eles egípcios, gregos ou romanos, ilustram bem a capacidade do ser humano quando o assunto diz respeito a poder e economia.
Com a evolução dos direitos humanos, do desenvolvimento do direito internacional público e a criação de organismos de representação internacional, principalmente após a experiência catastrófica de tantas guerras, em especial as duas grandes guerras mundiais, e com exceção de alguns poucos grupos que ainda entendem que o poder e o saque se impõem pela força da espada, o antigo sistema colonial mudou a sua face, sem perder a monstruosidade.
A monopolização dos recursos tecnológicos em geral, que vai dos microprocessados à indústria farmacêutica, a que se soma o estratégico sistema econômico meticulosamente construído e que submete as economias dependentes à flutuação da moeda ou das moedas dominantes, tem causado um terror não menos alarmante que o saqueamento pela espada. A miséria, acarretada por esta fórmula infernal, está sempre estendendo o seu vasto e irrefreável manto, matando mais que a colonização e as guerras passadas. Matam de diversas formas, fazendo parecer que a causa é natural, que a miséria, como a chuva, é um fenômeno, um acontecimento ou coisa do destino. Não somente matam, mas mutilam previsivelmente, física e psicologicamente, retirando do ser humano a esperança e a confiança no futuro.
Não há aumento de impostos, do índice de empregos, das exportações, baixa de juros, etc., etc, etc, que superem a maciça evasão de recursos despendidos em função dos produtos monopolizados tecnológica e economicamente, desde o chocolate e o sorvete até os microprocessados e seus acessórios, se não se estabelecer uma política de contenção e de desindexação cambial. No patamar de dependência em que se encontra, pouco provável que o Brasil aguente bancar as demandas da sua população. Poderemos estar no primeiro lugar de produção disso ou daquilo, tornarmos uma das primeiras economias mundiais, mas a miséria estará grassando para mais além de um terço da população.
Entendemos, da nossa parte, que a comprovada especulação não deva ser, em hipótese alguma, objeto de barganha e de negociações, mas sim de combate e repulsa. Se não podemos combatê-la, expulsemo-la.
Não precisamos fazer nenhum esforço para ilustrarmos tal situação. Basta verificarmos os exorbitantes preços de medicamentos, onde um comprimido comum chega a custar dois reais, ou um cartucho de impressora que custa próximo a cem reais ou mais, ou, ainda, um frasco de cento e quarenta miligramas de reagente para laboratório clínico, que custa aproximadamente um mil reais, e isto sem falar em produtos de maior sofisticação utilizados em ampla escala. Qual seja, a lógica da economia dominante impõe que um mero comprimido, digo apenas um, tenha maior valor que a unidade monetária do país dependente. Que um cartucho de tinta para impressora tenha mais valor que uma saca de um produto agrícola. E para que tal situação, de gritante disparidade, não se distancie tanto, estrategicamente criam uma dependência dos preços dos produtos do país espoliado, atrelando-os à variação cambial.
Criaram-se os genéricos, com justos argumentos, cujos preços, de alguns agora e de muitos amanhã, já se aproximam dos medicamentos de grife, porque estes passaram a ter ofertas promocionais... ? É mole ? Só nos falta, então, o genérico custar mais caro! Registrem e verão.
Ao escorchante pagamento do lucro evadido soma-se a vazão dos recursos públicos e particulares despendidos com a manutenção de suas demandas. É um sorvedouro senhores! Não há economia que sustente uma situação destas. Se fizermos as contas, seguramente será esta, juntamente com o pagamento das dívidas públicas, a grande causa da miséria brasileira e de outros países. Já pensaram na despesa empreendida, por exemplo, na manutenção de hospitais públicos, pagando-se por um frasco de material químico para laboratório em torno de um mil reais, três vezes ou mais que um perfume francês, que é um artigo supérfluo? Ou por um comprimido o preço de dois reais e por um cateter descartável próximo a dois mil reais? E o preço de um tomógrafo, de um aparelho de ressonância, com suas respectivas manutenções? É uma fábula! Um saco sem fundos! Não há orçamento que cubra tais despesas e pela mesma razão não há orçamento possível para uma remuneração equivalente através da tabela do SUS. De um lado a demanda sempre crescente pelos serviços, de outro a desproporcional e gigantesca despesa dos insumos, também sempre crescente. E enquanto a despesa para ampliação e manutenção dos serviços públicos aumenta, vertiginosamente, a arrecadação se eleva tímida e desproporcionalmente, deixando uma profunda lacuna entre o que é necessário e o que é possível. É só fazer as contas, um mero raciocínio matemático e, nessa área, não podemos esperar por milagres.
(Texto de 2006)