Nivelar Por Baixo
O achaque dos interesses do capital depravado, que se prevalece dos diversos pretextos, notadamente emocionais, e que torna vulnerável o Direito nas sociedades ainda não estruturadas, mormente aquelas em que não se consolidou a solidariedade psicológica entre os seus cidadãos, solidariedade esta que somada ao território e ao idioma constitui o amálgama do espírito nacional, tem impressionado pela facilidade com que se desmantela o que se conquistou historicamente com a vida de heróis, de mártires e com a incansável contribuição dos pensadores da humanidade.
Em plena era da luta pelo reconhecimento dos direitos culturais, deparamo-nos com absurdas propostas de retrocesso das conquistas sociais e, imaginem, civis.
O “nivelar por baixo”, seja a que título for, e às vezes emocionalmente motivado até pela retórica sócio - religiosa, dá a falsa impressão de justiça, mas na verdade causa a médio e longo prazos, um mal maior, do qual escapam ilesos os seus responsáveis tupiniquins.
A incorporação à remuneração de um plus salarial respalda-se, juridicamente, na habitualidade e tem como fundamento a permanência do trabalhador beneficiário no status sócio – econômico diferenciado, entendendo que tal situação, decorrido algum tempo, acarreta alterações no seu padrão de vida, com consequências psicológicas para o indivíduo e seus familiares, se for o caso. Retirar o trabalhador da posição sócio – econômico a qual se encontra habituado, conquistada na maioria das vezes por mérito próprio, através do empenho e de investimento profissional, significa massacrá-lo, ele e sua inocente família, rebaixando a sua qualidade de vida, como, por exemplo, o acesso à cultura e ao lazer, o nível escolar de seus filhos, etc. Enfim, é a melhor maneira de enfiar o indivíduo numa depressão crônica e de demolir a possibilidade de se estabelecer o fator primordial para formação de uma nação – a solidariedade psicológica entre os seus cidadãos. Constrói-se, pelo contrário, uma amontoado de pessoas, num mesmo território e falando a mesma língua, mas na base do “cada um por si e Deus por todos”. Tem-se um país mas não uma Nação.
Governo que trabalha pela degradação sócio – econômica de seus cidadãos, representado este pelos seus três Poderes, é governo incompetente, inimigo, que deve ser combatido e com punição exemplar dos responsáveis.
A finalidade precípua do Estado é a promoção da felicidade dos seus governados; um ideal abstrato, e como tal, sem perspectivas de limite, justamente para prevenir o abominável “nivelar por baixo”. Tomar decisões pela lei do menor esforço, pelo viés mais fácil, demolindo o que historicamente foi conquistado e habitualmente foi concedido legitimamente, é liquidar com a esperança e implantar o arbítrio.
A democracia tem como meio as eleições, que elegem os representantes do povo, mas não pode ser entendida apenas como um meio, pois todo meio visa alcançar um fim, que historicamente, no caso, é a prevenção da prática da arbitrariedade, e se assim não a assimilarmos à nossa cultura política, não passaremos de uma republiqueta de bananas.
(Publicado também, pelo autor, no jornal O Tempo, em 1º-03-03 – Sábado – Cad.Opinião pág.;8)