Os Novos " Kakói"
O poeta Teógnis, de Mégara, por ocasião da queda da aristrocaria grega, dividiu os homens em duas classes: a dos bons, a que chamou de aghatói e a dos maus, que denominou de kakói. Sem entrarmos em detalhes sobre a revolução político – social – religiosa e cultural grega, acarretada pelas chamadas “classes inferiores”, descreve o poeta aristocrático que os kakói desconheciam tribunais ou leis e que os seus homens viviam fora da urbe como animais selvagens. Segundo ele, os maus foram colocados acima dos bons e a riqueza tornou-se o único objeto dos desejos humanos.
Constituindo uma grande maioria em relação aos aristocratas, não restou a uma recém nascida “classe inferior” opor-se ao “governo” aristocrático, senão através da restauração da monarquia ou apoiando os reis, com todas as suas forças, nas cidades onde já se encontrava instalada a realeza. No século VI, o povo grego chegou até mesmo a eleger chefes entre os seus, e como estes não podiam ser denominados reis, por não praticarem funções religiosas, que naqueles tempos também eram atribuições dos reis, como chefes religiosos que eram, chamaram-nos de tiranos e, consideradas as circunstâncias, tal palavra passou a assinalar um desconhecido princípio para os gregos: o da obediência do homem a outro homem, ou, à autoridade dada a um homem por outros homens. Mas a tirania, divorciada da tradição sagrada e que se baseava no direito da força, era para a "baixa classe" um mal necessário, um meio de se vingar da aristocracia.
A expansão do comércio e o consequente e crescente enriquecimento de pessoas do povo fez surgir a aristocracia plebéia, que, à medida que amadurecia, enquanto uma nova "classe" , e a perceber que possuía em si mesma condições para exercer o poder equilibrado, em defesa, obviamente, dos seus próprios interesses, foi desistindo da tirania.
Alguém já disse que “quem não observa os erros da história corre o risco de repeti-los” e sabemos que o comportamento humano, historicamente, se não repete, imita, como diriam outros, numa versão atualizada, sintonizada com cada época.
A violência, sabe-se bem, oriunda da miséria, do abandono e, principalmente, da exclusão socio-econômica, que cria um sentimento de inconformidade e uma dimensão de valores próprios, que mistura um sistema peculiar de justiça, alheio à justiça “oficial” a uma espécie de tirania, que remete à obediência aos chefes do tráfico, etc., banaliza-se e cresce a cada dia, sob os nossos olhos, e, irônica e informalmente, tenta colocar o cidadão comum à margem de uma nova “ordem”, disseminando o medo e o terror, como faziam os tiranos de outrora.
Poderíamos até vaticinar que, assim como ocorreu na Grécia, Roma e outras sociedades, na antiguidade, e ao longo da história, a reação da maioria inconformada com o sistema social e econômico estabelecido acaba por provocar uma revolução pela escalada da violência. É o que vem ocorrendo com os países pobres de todo o mundo, principalmente da África e da América Latina, onde todos vão se encaixando dentro de uma “nova ordem” que, aos poucos, vai tomando o lugar da ordem estabelecida. Os bandidos de grife passam a ocupar lugares de destaque, com privilégios tolerados pela sociedade, não permitidos aos bandidinhos da ralé, ao punguista, ou ao ladrão de galinhas. O poder paralelo, o mundo do crime, passam a ter representantes ou servidores remunerados, disseminados pelos diversos setores e em variados níveis. A revolução pela violência, que no passado nos deu a tirania e a democracia, como forma de desestruturar todo o poder aristocrático - teocrático, parece-nos repetir, presenteando-nos, agora, com a tirania universal do poder do narcotráfico e com uma democracia (?!) vesga, fundada na demagogia. E o cidadão comum , aquele que quer apenas viver regularmente em paz e com dignidade...Bem...!
Os Kakói existirão na proporção da exclusão social, é só observarmos a história.
(Publicamos este texto,também, no jornal O Tempo)