A LINGUAGEM DO DINHEIRO E A LINGUAGEM DO DIREITO: Qual deve prevalecer no Brasil pós-bloqueio do X?

Em resposta a um post feito pela equipe de Assuntos Governamentais Globais do X em 17.08.2024, no qual a empresa anunciou que encerraria as atividades do escritório da empresa no Brasil após Alexandre de Moraes ameaçar prender a representante da instituição no país caso a rede social não cumprisse decisões judiciais, judiciais, o STF usou o próprio perfil na rede social X, em 28.08.2024, para publicar um documento assinado pelo ministro Alexandre de Moraes no qual cobrou o dono da empresa, Elon Musk, a apresentar em vinte e quatro horas o nome do novo representante do X no Brasil, sob pena de tirar a rede social do ar no país. Como a plataforma deixou de acatar a ordem judicial, o ministro determinou em 30.08.2024, o bloqueio da rede social X, em todo o território nacional.

Os acontecimentos ocorridos no final do aziago mês de agosto, atiçaram o vespeiro de juristas e analistas políticos que fizeram voltar vorazmente suas verrumas contra o ministro Alexandre de Morais. Nenhuma voz na mídia conservadora se fez ouvir sobre soberania nacional como marco definidor da legislação aplicável ao caso, o respeito às autoridades das decisões do Poder Judiciário e que a liberdade de expressão não protege violações reiteradas no ordenamento jurídico.

Nada disso se ouviu na voz dos especialistas em direito e político-econômica. Todas as vozes reverberaram em diferentes versões mostrando que o Brasil, a exemplo da Venezuela, da Rússia, da China, da Coreia do Norte, instrumentalizou o judiciário para censurar um multibilionário democrata que valentemente lutava em favor da democracia e da liberdade de expressão.

Não se deram sequer ao trabalho de ler as duas decisões exaradas pelo ministro, onde os fatos jurídicos poderiam ser melhor entendidos, e as informações prestadas com mais qualidade. Não se deram ao trabalho de ler porque se isso fosse feito, a verdade que afluísse de seus lábios faria om que perdessem a oportunidade de serem de novo convidado pelos canais de televisão. E exposição televisiva, como se sabe, gera prestigio e novos clientes. E quanto gera de recursos um cliente do mundo empresarial e político no competitivo mercado da advocacia?

Pesquisando o assunto no Google, obtivemos centenas de chamadas sobre o que diziam tais especialistas, a exemplo das matérias destacadas nas manchetes de alguns sites de noticia: “Intimação de Moraes a Elon Musk via X é atípica e ilegal, avaliam juristas”, “Juristas dizem que intimação de Moraes via rede social não tem legitimidade” e ”Juristas questionam intimação via X e falam em ‘gesto político’ de Moraes”. Confesso que, ao passar uma vista de olhos nas considerações de alguns dos “juristas” citados nas matérias, fiquei com a impressão de que o termo jurista, aposto ao nome do individuo, derivava de juros, nada tendo a ver com direito, justiça ou o que aos dois termos se equivalha.

Assim, pelo relato destes juristas, jamais se entenderia o que há por trás das birras, pirraças e desavenças provocadas pelo mimado bilionário da tecnologia, visando a atingir diversos governos ao redor do mundo. O X da questão, pode ser extraído de recente matéria publicada na RT por Fyodor Lukyanov, editor-chefe da Russia in Global Affairs, presidente do Presidium do Conselho de Política Externa e de Defesa e diretor de pesquisa do Clube Internacional de Discussão Valdai: “: A prisão do chefe bilionário do Telegram mostra que grandes mudanças estão chegando. Grandes mudanças estão chegando à esfera global da informação, e a posição do fundador do Telegram é um canário na mina de carvão”, abordando a prisão do fundador do Telegram, Pavel Durov.

Segundo a matéria, a prisão ocorrida em Paris, “causou um rebuliço em várias esferas – do mundo dos negócios e da tecnologia à mídia e à política. Vamos nos concentrar no último, especialmente porque o incidente está se tornando outro marco em uma reorganização política mais ampla”.

Tanto Elon Musk quanto Durov vêm de um nicho que reivindica status transnacional acima de tudo. Durov, nativo de São Petersburgo, também é cidadão da França, Emirados Árabes Unidos e São Cristóvão e Nevis. Musk é um sul-africano canadense, naturalizado estadunidense. Ambos, como as tecnologias de informação e comunicação das empresas das quais são donos, imaginam ser o mundo um espaço comum onde foi abolido a jurisdição soberana e se transformou em lugar onde eles podem instalar seus parquinhos para brincarem de filantropos e empresários, sem serem incomodados graças a enorme influência que detêm originaria das quantias gigantescas de dinheiro que possuem graça ao gigantismo de suas empresas de TI.

Desde as grandes navegações, as corporações transnacionais sempre existiram, e mais ainda se expandiram no período de globalização que durou do final dos anos 1980 ao final dos anos 2010. Nestes trinta anos, decorridos entre dois séculos, sem se perceber foram se articulando os modos de criação de condições de concorrência equitativas em que os países desenvolvidos tivessem uma clara vantagem, se beneficiando mais da globalização.

Mas a crise da globalização liberal levou a uma mudança na realidade internacional e a disposição de jogar de acordo com regras comuns diminuiu rápida e universalmente, embora ainda o mundo seja ferozmente competitivo e permaneça intimamente interconectado, pelo comércio e a produção, e pelo campo de informação unificado, graças aos gigantes das comunicações que deveriam ser "nacionalmente neutros".

Essa mudança fez com que os países dessem vazão a um sentimento de vulnerabilidade interna. Ou seja, com temor do gigantismo e poder das corporações e de seus CEOs problemáticos, que por um estalar de dedos literalmente podem usar suas empresas para influenciar ou manipular as populações, passaram a tentar minimizar qualquer fatos que possa afetar a estabilidade interna dos países.

Tanto o Telegram quanto o X, por serem estruturas que operam transnacionalmente, passaram a ter em todos os países suas atividades suspeitas em razão do que devem ser "contidas", interrompendo a interconexão global de dados. As entidades de TI "transnacionais" serão cada vez mais obrigadas a se "ancorar" na legislação dos estados em que operam. E se não se ajustarem terão as atividades bloqueadas e as organizações reconhecidas como potências virtuais hostis.

O que aconteceu com Durov do Telegram e com o X de Elon Musk é o primeiro e não será o último caso, posto que o ajuste das grandes corporações de TI às legislações nacionais será o componente chave da próxima fase política global.

De acordo com a matéria do RT, “O aperto do controle sobre tudo o que tem a ver com dados aumentará inevitavelmente o grau de repressão na esfera da informação, especialmente porque não é fácil na prática bloquear canais indesejados. Mas se há relativamente pouco tempo parecia impossível desenterrar a superestrada da informação do mundo e torná-la inutilizável para viagens, isso não parece mais tão rebuscado.”.

No que concerne ao bloqueio do X, as decisões judiciais decorrentes do embate entre um bilionário que tenta submeter o estado brasileiro ao seu próprio governo e o Ministro Alexandre de Morais submetendo Musk ao estado brasileiro, ao menos no que tange à atuação do empresário no país, estão de acordo com o contexto de busca pelo monitoramento, senão encolhimento do reinos da informação global, pertencentes a pessoas físicas que ao invés de gerir riquezas por meio do setor produtivo, atuam politicamente de acordo com seus anseios ideológicos.

Elon Musk vem usando o X como instrumento político contra o STF para se fazer de vítima no Brasil. E até que haja uma legislação global ou o legislativo brasileiro saia da inércia moral e enfrente os verdadeiros desafios da modernidade haverá juristas que diariamente usarão as telas e os sites da internet para fazer com que a linguagem do dinheiro de Elon Musk e Durov prevaleça sobre a linguagem do direito de Alexandre de Morais, para quem, ao ordenamento jurídico brasileiro subjugam-se X , y e z.