Influenciador digital não é amigo pessoal e pode até ser mau conselheiro

Influenciador digital não é amigo pessoal e pode até ser mau conselheiro

por Márcio de Ávila Rodrigues

[12/03/2024]

A sociedade sempre gostou de modismos e recentemente apareceu mais um: o influenciador/a digital.

Com boas ou más intenções, ou apenas vaidade, muita gente assumiu esta profissão que engloba atividades amplas e pouco delimitadas. E conseguem (ou exigem) incluir o título na legenda de seus nomes em entrevistas, imagens de TV e fotografias da mídia impressa.

Muitas vezes usam a charmosa “profissão” para vender algum serviço ou obter algum tipo de vantagem financeira. Mas já estão aparecendo casos em que seu poder de influência tornou-se um instrumento para a aplicação de golpes por pessoas inescrupulosas.

Fazendo uma digressão ao longo de minha vida, lembro-me de vários casos em que influenciadores - digitais ou seus antepassados “analógicos” - foram essenciais em golpes, mas não eram os autores principais, foram usados. Alguns eram inocentes mas outros foram, no mínimo, omissos, ou até cúmplices.

Maus influenciadores, em formato antigo

Meu primeiro contato com uma situação análoga aconteceu no início dos anos 1980. Eu era jovem mas já precisava começar a fazer alguma economia, um pezinho de meia, como todos deveriam fazer. Um colega de trabalho me levou para adquirir letras de câmbio (um investimento de renda fixa pouco falado hoje) na corretora Haspa, que, segundo a pesquisa dele, era a que tinha as melhores taxas de lucro do mercado. Meu investimento era pouca coisa, mas tive a sorte de resgatar antes da quebra fraudulenta da empresa em 1984.

Os consultores e os corretores de investimentos financeiros ajudaram a quebrar muita gente naquele caso. Assim como os amigos influentes que estavam sempre “tentando ajudar”.

Criptomoedas, alexandritas e os jogadores de futebol

Do mais antigo ao mais recente. Um caso bem característico e atual foi o golpe financeiro milionário sofrido pelos jogadores de futebol Mayke e Gustavo Scarpa. Eles foram convencidos por outro jogador de futebol, o William "Bigode”, que estava ingressando no mercado financeiro como sócio da empresa WLJC. Sua sócia Camila de Biasi Fava sugeriu investimentos em criptomoedas, uma grande novidade. Certamente aguçou sobremaneira a ambição dos investidores, pois esta novidade era frequentemente associada a histórias ou boatos sobre lucros extraordinários.

A empresa de William Bigode indicou a operadora Xland para guardar em seus cofres virtuais o milionário investimento. Segundo o levantamento efetuado pela mídia, o autor do golpe sumiu com os milhões dos três jogadores (inclusive o intermediador William Bigode) e de muitas outras pessoas.

A única alternativa que sobrou para Mayke e Scarpa foi processar o ex-amigo. Gustavo Scarpa esteve jogando no exterior e retornou ao Brasil, contratado pelo Clube Atlético Mineiro. Uma curiosidade no caso deles é que a empresa golpista fez um contrato dando como garantia uma pedra preciosa chamada alexandrita. A pedra existia, mas as vítimas descobriram que seu valor real era apenas um ínfimo percentual daquele que foi alegado.

Bem antigo esse procedimento de usar joias e metais preciosos como garantia. Um aval, literalmente, medieval.

Enfim, neste país onde se aplicam golpes a todo momento e em todo lugar, não dá para confiar nem nos melhores amigos. Mesmo quando eles possuem a melhor das intenções, podem ser vítimas também; e pivôs das demais vítimas.

Os maus influenciadores digitais que se associam a golpes

Mas o golpe que afetou de forma direta a credibilidade dos influenciadores digitais aconteceu recentemente com o chamado "jogo do tigrinho”. Vigaristas bem espertos bolaram um jogo que atraía a "geração smartphone”, independentemente da idade. Não foram os criadores do jogo, mas os seus manipuladores para fins ilícitos.

O formato lembra vagamente um jogo infantil de minha época, o banco imobiliário, que garante perdas e ganhos em questão de segundos ou minutos. Mas o nosso antigo banco imobiliário usava dinheiro de brinquedo e no jogo do tigrinho o jogador faz o depósito inicial e os adicionais. Mas as fontes de inspiração de seus criadores são as antigas máquinas caça-níqueis. O vício descontrolado aparece quando o jogador descarrega a adrenalina para jogar e perder, jogar e ganhar, jogar e perder, jogar e ganhar. Sem perder o fôlego.

Tomei conhecimento do tigrinho através de um perfil do Facebook intitulado "Vamos rir, banguelas". Especializado em memes e piadas, tinha bom alcance (registra hoje 2,2 mil seguidores). Por muito tempo eu acompanhei o perfil e até compartilhei as postagens de finalidade meramente humorística. Mas em meados de 2023 o dono do perfil começou a fazer propaganda do joguinho, e eu até critiquei a iniciativa nos comentários das postagens.

Em setembro apareceram as notícias das primeiras operações policiais, destacando a questão da ilegalidade (por ser jogo de azar) e o desvio (furto) de dinheiro dos apostadores. Descobriu-se que o titular da conta bancária usada no jogo resgatou o saldo, transferiu para os próprios bolsos e saiu de cena.

Pesquisando na internet não encontrei referência aos mentores, aos criadores do golpe. A polícia e a mídia focaram na participação dos influenciadores digitais, o aspecto mais espetaculoso.

Ao noticiar a operação policial, a mídia apurou que a tática inteligente e original usada na montagem do golpe foi a escolha de alguns influenciadores digitais para convencer um grande número de interessados. Uma grande "sacada”.

Os personagens que mais se destacaram foram um quarteto paranaense (com destaque para Duda Campelo), e Skarlete Melo, no Ceará. A ostentação da fortuna que eles alegavam ganhar no jogo do tigrinho tanto ajudou quanto atrapalhou no transcorrer do golpe. Ajudou a atrair o dinheiro dos ingênuos sonhadores mas chamou a atenção e provocou as investigações de órgãos policiais em vários estados brasileiros.

Segundo o delegado responsável pela prisão de Skarlete Melo, ela recebia R$ 250 mil por semana para divulgar o jogo de azar. Ela morava com o marido em uma mansão, com Porsche na garagem avaliado em R$ 475 mil, apreendido na operação. Segundo outro delegado, "foi comprovado que todos os influenciadores recebiam grande quantia em dinheiro para divulgar as plataformas de jogos online".

Um toque de conclusão

Para fechar, um toque meio moralista, pretensamente educativo. Vivemos em sociedade e precisamos dos amigos. Mas eles possuem vários formatos: sinceros, bem intencionados, mal intencionados, ingênuos. E temos limitações, precisamos de influenciadores. Como acontece com o espectro de amigos, conselheiros e influenciadores podem ser bem intencionados ou mal intencionados. Não nos conhecem, são movidos por interesses específicos que podem ser positivos ou negativos.

Atenção e cuidado, sempre!

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.