A aposentadoria precoce e o futuro de poucas opções
A aposentadoria precoce e o futuro de poucas opções
por Márcio de Ávila Rodrigues
[21/10/2023]
Li, recentemente, um artigo do brilhante pensador contemporâneo Yuval Noah Harari, onde ele analisa a tendência para a falta de ocupações profissionais da população mundial, a médio e longo prazo.
Partindo do pressuposto de que a sociedade não será capaz de criar opções de trabalho para uma expressiva parte da população, ele analisa as opções para "distrair" as pessoas e indica a criação de jogos, principalmente os virtuais.
A questão da falta de ocupação (e excesso de tempo livre) não é um problema novo para a sociedade. Sempre foi considerada uma consequência negativa e perigosa para quem se aposenta e sai do mercado de trabalho quando ainda tem muita disposição e energia. A aposentadoria precoce não é saudável para quem tem plena capacidade para trabalhar.
Tive uma colega de trabalho que se aposentou voluntariamente ainda cinquentona, cheia de planos para o futuro, para o tempo livre que acabava de conquistar. Uns dois anos depois, apareceu na empresa onde trabalhava e pediu a recontratação e cancelamento da aposentadoria, pois não aguentava mais o tédio e a monotonia. Não logrou êxito e ficou sem esta alternativa, só lhe restou tentar novamente se adaptar à nova realidade.
A aposentadoria precoce é um problema bem conhecido no esporte, especialmente em relação aos atletas. Por sua associação com a juventude, a quantidade daqueles que conseguem continuar em atividade após os 40 anos de idade é um número pequeno, de baixa relevância.
Certamente sempre há alguma pessoa mais experiente que avisa aos jovens atletas para manterem o foco no futuro, e na necessidade de pavimentar um caminho, de planejar a ocupação futura. Mas são muitos os obstáculos, como é o caso dos que precisam viajar constantemente ou passar longas temporadas em lugares bem distintos.
Como administrar uma formação acadêmica ou um negócio localizado quando se precisa fazer treinamentos coletivos, em horas especificadas para um grupo, e se tem um calendário irregular?
Entrei muito jovem, ainda menor de idade, no jornalismo profissional e menos de um ano depois virei repórter e editor de esportes especializados em um já extinto jornal diário de Belo Horizonte. "Esportes especializados" era o nome que se dava ao conjunto dos esportes com a exclusão do futebol, que pela sua vasta popularidade geralmente tinha uma equipe exclusiva para a cobertura noticiosa.
Na época, anos 1970, era muito baixo o regime de profissionalismo entre os atletas que atuavam nos tais esportes especializados. Era uma atividade preenchida basicamente por jovens que lhe davam um foco secundário, deixando o foco principal para a profissão escolhida para o futuro.
Já a partir da década seguinte, alguns esportes conseguiram avançar no quesito profissionalização, como foi o caso do voleibol. Basicamente, era um esporte escolar que ganhou grande espaço na mídia com o sucesso internacional de atletas de uma geração estrelada por William, Isabel, Carlão, Vera Mossa. O saque de bola executado pelo jogador Bernard Rajzman ganhou o midiático nome de "jornada nas estrelas" e levava multidões aos ginásios e ao delírio.
Com uma multidão presencial e outra multidão por trás das televisões, o dinheiro jorrou e o amadorismo foi substituído pelo profissionalismo, que durava enquanto a juventude durasse.
Mas as exigências do profissionalismo o tornaram incompatível com a preparação para o futuro. Não sobra espaço temporal para a preparação de uma carreira profissional em outro ramo de atividade. Obviamente alguns poucos conseguem continuar como técnicos, assistentes e até dirigentes, mas certamente em percentual de baixa relevância
Hoje o voleibol está abarrotado de atletas com mais de 35 anos de idade. E quase todos eles já pensaram, em algum momento, no encerramento precoce da carreira por conta de lesões graves, praticamente inevitáveis nas atividades esportivas de alto impacto.
Alguns anunciaram a aposentadoria, tentaram sem sucesso uma vida profissional fora das quadras, mas retornaram.
No caso das mulheres, a carreira longa no esporte cria um conflito com a opção da gravidez. Já li mais de uma entrevista com relato ou insinuação de arrependimento pela desistência de filhos. O número real é certamente significativo.
Esse conjunto de considerações e observações me veio à mente após o suicídio de minha conterrânea (Belo Horizonte) Walewska, ocorrido em São Paulo, em 21/09/2023. O caso dela tende a ser pouco pesquisado e noticiado, pois a mídia tem uma elogiável postura ética de evitar o assunto "suicídio" para não dar estímulos a quem já tem alguma propensão.
Mas a biografia já estampada apresenta uma mulher de 43 anos de idade, plena de saúde e disposição, mas sem uma formação profissionalizante, sem filhos, e com um longo casamento que certamente foi prejudicado pelas suas necessidades como jogadora profissional (ela chegou a passar longas temporadas no exterior). Quando desistiu de viver, já havia recebido a comunicação do marido sobre o final do casamento.
Não tinha problemas financeiros, mas faltavam-lhe objetivos para a vida futura.
Sobre o autor:
Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).
Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.
Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.