UM PORTO DE PÉROLAS NA FAIXA DE GAZA: Em matéria de método cinicamente criminoso tudo quanto é a mesma coisa

A mídia brasileira antenada à mídia corporativa, que defende a ordem neoliberal e a hegemonia norte-americana, ajusta a verdade aquilo que deseja que a verdade seja, por considerar o leitor brasileiro ingênuo, acomodado e incapaz de ensejar uma reação à altura, mediante crítica assentada em fatos.

Neste momento, deixe-se de lado – mas não tanto assim –, os problemas domésticos como o da lava jato e do 8 de janeiro, onde predominaram e predominam as fantasiosas reportagens, direcionando a atenção dos viciados em “break news” para o lado que mais interessa a alguns setores da grande mídia: o combate ao Partido dos Trabalhadores.

Não tanto assim, se diga, por que, o "ataque surpresa" do Hamas a Israel vem sendo politicamente explorado num jogo cuja meta é opor a opinião pública ao governo, supostamente simpatizante do Hamas. A CNN e a Globo, veículos que se destacam na imprensa televisiva e em plataformas virtuais, apresentaram o texto de 2021, intitulado “Resistência não é terrorismo!” subscrito por vários políticos e intelectuais, inclusive do PT, condenando a classificação do Hamas como movimento terrorista, sob o argumento de que “A resistência é um legítimo direito dos palestinos contra a ocupação e as reiteradas violações dos direitos humanos, bem como os crimes de guerra”, como prova de possível ligação do governo Lula e o Hamas, responsável pelo ataque surpresa a Israel.

Por este argumento, o governo brasileiro seria, moralmente, corresponsável por iniquidades como estupros, aniquilação de idosos e a decapitação de mais de quarenta bebês,1 conforme fake news divulgada por um soldado israelense a uma repórter de TV, e que foi amplificada por Joe Biden, Netanyahu e a mídia internacional. 2 A informação, maldosamente ou criminosamente, distorcida sobre estupros de mulheres e sobre decapitações de bebês pelo grupo foi desmentida pelo embaixador do Brasil em Israel, Frederico Meye. A Casa Branca encarregou-se de desmentir a fake news de que o presidente Biden tenha visto as imagens de bebês decapitados. A âncora da CNN em Israel, Sara Sidner reconheceu o erro e pediu desculpas publicamente por repercutir declaração mentirosa do governo israelense de que o Hamas havia decapitado bebês em um kibutz.3

Pois é. Depois da guerra das cervejas, da guerra dos sexos e da contemporânea guerra híbrida, surge a guerra de versões ou de narrativas, que consiste na disputa pela mídia do controle do imaginário coletivo e que tomou conta do Brasil e do mundo nos últimos anos, envenenando e dividindo a sociedade entre nós, os bons, e eles, os maus. Nesta guerra, os ataques bélicos desferidos pelos comunistas sempre terão por alvos escolas, parquinhos infantis, creches, asilos de idosos e hospitais, deixando um saldo incalculável de corpos sem vida de idosos, mulheres e, principalmente, crianças.

Os ataques promovidos por democratas ou conservadores, por outro lado, são cirúrgicos. Não produzem os efeitos colaterais que se traduzem em vítimas civis, já que abater idosos e degolar criancinhas são práticas terrorista e comunistas, que no fundo são faces da mesma moeda do mal. Em guerras nas quais o bem e o mal se defrontam, a virtude invariavelmente veste o uniforme do bem, e a cruz vermelha da verdade é sempre a primeira vítima.

E por falar em guerra, lembremos a Ucrânia, pais do leste europeu onde se realiza há mais de um ano embate bélico que hoje sai de moda, com a guerra israelense. O governo e o PT já foram condenados pela falta de apoio em primeiro momento a esta nação, atualmente, governada por um "samaritano", maldosamente, acusado de usar forças nazifascistas contra populações civis, vitimada pelo terrorismo russo.4

A morte de civis judeus ou muçulmanos, russos ou ucranianos é uma tragédia a ser lamentada. Mas só porque se é capaz de entender algo em um nível analítico e de se ver além das interpretações mais extremas não implica que as mortes em nome de qualquer Deus, de qualquer credo ou de qualquer ideologia sejam endossadas.

Na guerra de versões ou de narrativas, "quem tem virtude eu tiro e quem não tem defeito eu boto" é o método da imprensa mundial, matriz do que saía das antenas e rotativas antes da internet e hoje sai das plataformas digitais da imprensa brasileira. Nada de novo, os fatos sempre foram encobertos pelas versões.

Superado o preâmbulo, tentemos retirar alguns fatos de sob os escombros, lembrando que não se vai fazer uma incursão histórica das origens das desavenças entre palestinos e israelenses cuja origem, para alguns historiadores, reside no crescimento da população judia na Palestina e tem respondido por uma série de conflitos a partir de 1948. Noam Chomsky já observou que as políticas de Israel de priorizar a expansão sobre a segurança levariam a uma degradação da segurança nacional israelense e isolaria o país.

Bibliotecas inteiras já foram escritas sobre o tema e um mar de tintas e de bit e bites foi derramado sobre os vestígios da verdade dos fatos, ficando à mostra somente a ponta do iceberg que é feito pela imprensa de verdade absoluta.

As pérolas do Havaí (Pearl Harbor) dos tempos de Teodore Roosevel e o estreito pedaço de terra na costa oeste de Israel, na fronteira com o Egito e banhada pelo Mar Mediterrâneo, entram nestas parcas observações pela intrigante origem dos dois eventos separados na escala do tempo por mais de cinquenta anos e que a história retirou dos livros escolares e a imprensa mundial, atualmente, esqueceu de colocar nas pautas noticiosas.

Ao deparar-me com declarações de um representante americano a dar conta de que o Egito avisara funcionários israelenses sobre a iminência de um ataque do grupo Hamas5, vi-me atingido pela estranha sensação de já ter visto ou vivido uma situação que está acontecendo no presente. Não vi ou vivi, especificamente, os fatos que rememoro, mas li algo semelhante em um livro pouco lembrado.

Li, sim, e, associando as duas histórias, fiquei de pulga atrás de orelha. Será que os especialistas em contraterrorismo de Israel foram previamente avisados, e se foram por que não evitaram o ataque, minimizando o número de mortos? Terá ocorrido apenas falha na liderança do país ou haverá algo além de despreparo das agências de inteligência diante de um dos ataques mais devastadores da história de Israel, ocorrido logo no governo de Bibi Netanyahu, um perito em “terrorismo” e autor de dois livros sobre o assunto? Por que a imprensa esconde fatos de natureza tão grave?

Sobre estas inquietações, alguns podem, apressadamente, apontar conclusões, o que não recomendo, sem antes ter acesso aos fatos.

Vamos a eles.

Desde muito circula a teoria de que o presidente americano Franklin Roosevelt, durante a Segunda Guerra Mundial, tinha conhecimento prévio do ataque de Pearl Harbor. O que sempre foi tido como teoria da conspiração ganhou contornos de fato, na revelação de que altos funcionários do governo americano enganaram milhões de americanos sobre um dos dias mais importantes da história do país, Pearl Harbor.

Como ao se matar a cobra, deve-se mostrar a cobra e o pau que matou a cobra, o deja vu pressentido saiu do livro Dia do Engano, onde Robert Stinnett6 mostra que o famoso ataque “surprise” não foi nenhuma surpresa para o governo americano de espírito beligerante… Sobre o livro, diria John Toland, autor e vencedor do Prêmio Pulitzer Pearl Harbor, Infâmia: “Passo a passo, Stinnett revela os terríveis segredos que nunca foram divulgados ao público. É perturbador saber que onze presidentes tenham mantido a verdade do público até que os pedidos da Lei de Liberdade de Informação de Stinnett tenham persuadido a Marinha a divulgar as provas.”7

Observando-se bem, da mesma forma que nos anos de 1940 havia interesse do governo americano de ingressar na guerra, faltando tão somente motivo, que foi criado pelo ataque surpresa a Pearl Harbor, no atual governo israelense de Bibi Netanyahu era grande o interesse em se desviar a atenção da opinião pública das acusações de corrupções que recaem sobre o primeiro-ministro. E o que mais ligaria os israelenses em torno de um sentimento comum do que um ataque surpresa praticado por um bando de terroristas árabes, que se diverte matando idosos, estuprando mulher e degolando bebês dentro do território israelense?

Ora, o Hamas não é e nem era antes do ataque uma organização desconhecida que pelo anonimato pudesse surpreender Israel, pais que financiou e manteve agentes infiltrados no movimento desde seu surgimento. O Hamas e a Jihad Islâmica não existiam antes da ascensão dos Likudroit ao poder em 1977. A política explícita de permitir e incentivar a atividade do Islã as organizações, inicialmente percebidas como tendo uma natureza estritamente comunitária e social, derivaram da concepção de que Arafat e suas organizações seculares nacionais, a Fatah e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), deveriam ser enfraquecidos.

Como afirmado por Yitzhak Segev, governador militar israelita em Gaza, no início da década de 1980, ao New York Times, Israel ajudou e financiou o Hamas como “contrapeso” aos secularistas e esquerdistas da OLP e do partido Fatah, liderado por Yasser Arafat, que se referia ao Hamas como “uma criatura de Israel”.

Deste modo, pela presença dos agentes infiltrados e controle das atividades, o criador jamais poderia ter sido surpreendido pela criatura. Fazendo olhos de mercador, deixando o ataque surpresa se materializar, Netanyahu, inspirado no ataque surpresa de Pear Habor, imaginou a possibilidade de reeditar o "Tango Mortale" de Ariel Sharon, que repaginado culminaria no golpe mortal contra os palestinos. Unificado o povo em nome de um só ideal, Israel poderia se apropriar de vez da Faixa de Gaza e Netanyahu, levaria para debaixo dos escombros as acusações de corrupção que lhe são imputadas.

Segundo pesquisa realizada pelo Dialog Center e divulgada pelo Jerusalen Post, “Quatro em cada cinco israelenses judeus acreditam que o governo e o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu são responsáveis pela infiltração em massa de militantes do Hamas e pelo ataque no sul de Israel. Uma esmagadora maioria de 86% dos entrevistados, incluindo 79% dos apoiadores da coalizão, afirmou que o ataque surpresa de Gaza é uma falha na liderança do país, enquanto impressionantes 92% disseram que a guerra está causando ansiedade. Além disso, quase todos os entrevistados (94%) acreditam que o governo tem responsabilidade pela falta de preparo de segurança que levou ao ataque no sul, com mais de 75% afirmando que o governo tem a maior parte da responsabilidade.8

Ora, havendo fatos ocorridos nos Estados Unidos e em Israel, assemelhados pela metodologia, não serei quem jogará dúvidas sobre pesquisa que entrevistou 620 judeus israelenses de todo o país. Meu ponto de vista, espelhando ou não contato com a realidade, não contrariará a descoberta de que a maioria dos entrevistados acredita que Bibi Netanyahu é responsável pela não detecção do ataque surpresa do Hamas que redundou em centenas de mortes em Israel e na Faixa de Gaza, a maioria crianças e mulheres, de acordo com informações do governo palestino.

Tenho opinião formada sobre o assunto, mas recomendo a quem ler este artigo não ser ingênuo como a mídia brasileira, representada pela CNN e pela Globo, empresas que, seguindo o padrão da mídia conservadora mundial, não fazem jornalismo de justificativa ou verificação, mas espalham desinformação que mina as democracias em todo o mundo, querem que seja. Eu também posso estar ajustando a verdade àquilo que desejo que a verdade seja. Certamente, todo material com pelo menos duas tomadas extremamente divergentes que nos chega às mãos deve ser revisado criticamente.

Assuma o espírito dos historiadores e tente com argumentos substanciosos coletados de pesquisas sérias se contrapor às ideias aqui apresentadas. No final do processo investigativo, todos teremos aprendido mais do que a mídia conservadora quer que saibamos sobre as guerras modernas.

OBRAS E SITES CONSULTADOS E RECOMENDADOS

1 Disponível em: https://www.aljazeera.com/news/2023/10/12/white-house-walks-back-bidens-claim-he-saw-children-beheaded-by-hamas. Acesso em: 12 out. 2023.

2 Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/fonte-dos-bebes-decapitados-e-colono-israelense-radical-que-pregou-aniquilacao-de-vila-palestina/ Acesso em: 12 out. 2023.

3 Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/ancora-da-cnn-pede-desculpas-por-espalhar-desinformacao-sobre-bebes-decapitados/ Acesso em: 13 out. 2023.

4 Disponível em: https://www.nationalgeographicbrasil.com/historia/2022/02/russia-e-ucrania-a-complicada-historia-que-conecta-e-divide-os-dois-paises. Acesso em: 12 out. 2023.

5 Disponível em: https://www.rt.com/news/584687-israel-knew-attack-egypt/. Acesso em: 12 out. 2023.

6 STINNETT, Robert B. Dia do Engano: A verdade sobre FDR e Pearl Harbor. Touchstone, 2000). Sobre as revelações de Stinnett, o New York Times afirmou que: “Os historiadores da Segunda Guerra Mundial geralmente concordam que Roosevelt acreditava que a guerra com o Japão era inevitável e que ele queria que o Japão disparasse o primeiro tiro. O que Stinnett fez, partindo dessa ideia, foi compilar evidências documentais de que Roosevelt, para garantir que o primeiro tiro tivesse um efeito traumático, deixou intencionalmente os americanos indefesos. . .

7 Disponível em: https://www.independent.org/issues/article.asp?id=408. Acesso em: 12 out. 2023.

8 Disponível em: https://www.jpost.com/israel-news/article-767880. Acesso em: 12 out. 2023.