Métodos leigos que agravam as cólicas dos cavalos, uma doença terrível

Métodos leigos quase sempre agravam as cólicas dos cavalos, uma doença terrível

por Márcio de Ávila Rodrigues

[21/07/2023]

Surpreendo muita gente quando informo que a maior causa da morte de cavalos em todo o mundo é a cólica gastrointestinal. Livros técnicos chegam a estimar o percentual em 50%.

Cólicas, portanto, são temidas por quem lida profissionalmente com a espécie equina. Muito temidas, enfatizo.

Três décadas atrás, um treinador de cavalos do hipódromo Serra Verde resolveu usar um medicamento à base de sulfato de atropina em um equino com cólica. O animal sobreviveu e o treinador leigo atribuiu o resultado exclusivamente à atropina, embora certamente tivesse utilizado outros remédios e procedimentos durante a crise.

Ele tornou-se um propagandista do produto, sempre defendendo um poder milagroso e curador. Influenciou colegas de profissão que o imitaram.

A atropina, de fato, atua aumentando a motilidade gastrointestinal e pode funcionar como medicamento auxiliar do veterinário em alguns tipos de cólica. Mas, nos eventos em que já exista excesso de motilidade do intestino, a situação se inverte e pode até ser um fator de agravamento do caso.

Fenômeno semelhante, e até mais comum, é o uso do lasix no tratamento das cólicas. Por seu efeito desidratante, é sempre um fator de agravamento e não se justifica o seu uso durante o curso da doença.

Em meados dos anos 1980 eu era estagiário de veterinária e acompanhei uma crise de cólica em uma mula considerada cara. O evento aconteceu num sítio localizado na região de Campinas, São Paulo.

Em dado momento, o dono da mula, conhecido pelo pouco masculino apelido de Lili, pediu ao veterinário que aplicasse lasix por indicação de um dos amigos dele que presenciavam o episódio. O veterinário disse que não o faria e que se retiraria do local em caso de interferência em seu trabalho.

O Lili aceitou a posição do veterinário. Duas ou três horas depois, a mula começou a responder positivamente ao tratamento padrão e a equipe foi embora, otimista.

No dia seguinte fomos informados que ela havia sido encontrada morta de manhã. Pressionado, Lili acabou contando que não aplicou o lasix, mas montou a mula depois que nós saímos e fez com ela um exercício forte, um galope.

Explicou que nos viu forçar a mula a caminhar durante todo o tempo de nosso atendimento e supôs que um exercício mais forte teria efeito multiplicado e proporcionaria a cura. Ele não sabia - e nem procurou informação a respeito - que o ato de caminhar tinha apenas a finalidade de reduzir o estresse e impedir o animal de se deitar e rolar no solo, o que aumentaria o risco de uma alteração intestinal conhecida popularmente como "nó nas tripas".

Passar do brando esforço de caminhar para um exercício forte poderia até levar a óbito um animal momentaneamente debilitado. O que de fato aconteceu.

São casos e mais casos de interpretações equivocadas de tratamentos em doenças. Estão longe de ser uma exclusividade da medicina veterinária, são rotineiros na medicina humana. Quase nunca a cura vem de um remédio isolado. Geralmente são necessários medicamentos diferentes, aplicados nos momentos apropriados.

E a própria participação do organismo do doente acaba sendo esquecida. Vale citar aquela brincadeira simplista de que o curso da gripe dura sete dias quando tratada com medicamentos. E sem remédios dura uma semana.

Sobre o autor:

Márcio de Ávila Rodrigues nasceu em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, Brasil, em 1954. Sua primeira formação universitária foi a medicina-veterinária, tendo se especializado no tratamento e treinamento de cavalos de corrida. Também atuou na área administrativa do turfe, principalmente como diretor de corridas do Jockey Club de Minas Gerais, e posteriormente seu presidente (a partir de 2018).

Começou a atuar no jornalismo aos 17 anos, assinando uma coluna sobre turfe no extinto Jornal de Minas (Belo Horizonte), onde também foi editor de esportes (exceto futebol). Também trabalhou na sucursal mineira do jornal O Globo.

Possui uma segunda formação universitária, em comunicação social, habilitação para jornalismo, também pela Universidade Federal de Minas Gerais, e atuou no setor de assessoria de imprensa.