VÔMITO

Demétrio Sena - Magé

Tenho como sucesso na vida, ter entendido em tempo hábil que algumas sequelas, abreviações de tempo e distanciamentos de afetos não valem determinadas conquistas, sejam em formas de riqueza, fama e/ou prestígio. Posso me orgulhar da trajetória pacata em que pude acompanhar de perto a formação das filhas, com relativo conforto; reconstruir lentamente após hiato, a convivência conjugal com quem sempre amei; conquistar admirações sinceras e presenciais e ter amigos que optei por não perder de vista, se depender de mim.

Não condeno quem toma outros caminhos e tem ambições diferentes das minhas - que também são ambições -, mas esta é a minha natureza, que muitos veem como de um frustrado. Não é, porque muitas vezes tive escolha e segui assim. Jamais disputei destaques. Amei a penumbra relativa e fui feliz no processo de quem fez tudo que desejou, amou além do viável, realizou todos os desejos - até alguns supostamente impossíveis - que não demandaram compras ou invasões de qualquer natureza. Fiz e faço loucuras que me satisfazem, sem arranhar outras pessoas - até obtendo interações espantosas -, e já vejo a morte como recompensa; descanso das alegrias e tristezas, dos erros e acertos, cansaços e alívios que produziram minha plenitude. A felicidade como alguém bem alguém. Pessoa bem pessoal.

Só apostei no que valeu a pena e cujos preços não fizeram sangrar a alma; não me roubaram afetos por minha decisão. Não me mataram de saudades por escolha pessoal, mesmo quando senti arrependimentos (não sou aquela pessoa perfeita que arrota jamais ter se arrependido e faria de novo tudo que já fez). Sou grato ao tempo, à vida e às chances de criar as rugas do rosto e as rusgas da essência, sem chegar ao prólogo da vida cheio de buracos. Comecei a me despedir? Sei lá! Só me deu desejo de vomitar tudo isto, sem saber se faz algum sentido.