A psicologia e seus diálogos possíveis
A raiz etimológica da palavra psicologia, é proveniente do grego “psiquê= alma” + “logos/logia=estudo”, ou seja, depreende-se um sentido de estudo da alma e de seu significado na composição dos seres humanos, na tentativa de reconhecer e identificar distúrbios de ordens psicopatológicas, analisar aspectos de personalidade, e conduzir ao indivíduo rumo à melhor versão de si, por meio do caminho guiado pelo autoconhecimento. A psiquê, sendo ânima (princípio que anima, que cria, respira, e é dotado de impulso), atua em conjunto com o corpo, em laços harmônicos e inseparáveis, e estabelece um canal de comunicação entre a camada inferior, corpórea/terrestre, denominada “soma”, a partir da qual, se definem as conjugações somáticas, por exemplo, e a camada superior, divina, denominada “nous” alcançável somente, através da ponte entre o chão firme e o céu sublime. Entre essas duas experiências, situam-se as vivências de caráter místico. Pode-se concluir ao observar essa função de meio conector das mensagens, que a psicologia está estreitamente ligada ao objetivo da linguagem. Sendo o estudo do humano, uma exteriorização da compreensão do sujeito pela ação do verbo, e tendo a palavra como bagagem carregada de signos simbólicos, emitidos por sinais de uma natureza subjetiva e intrínseca.
Capaz de converter tais símbolos em significados, é inegável a resposta da psicanálise como método presente no desenrolar da psicologia, visto que por meio dela, o inconsciente se desfaz das barreiras que o tornam opaco, e tornam propícia, a submersão daquilo que foi primitivamente reprimido, em tentativas frustradas de “empurrar a sujeira para baixo do tapete”, no mais errante tom de recalque. Historicamente, as bases teóricas e linhas de pesquisa que se desenvolveram nos estudos sobre psicologia, análises de fenômenos e descobertas comportamentais, surgiram em um cenário não tão longínquo do século XIX na Alemanha, despontando como uma ciência que se encontra hoje em pleno desenvolvimento, e cuja importância se faz nitidamente cada vez mais presente em uma contemporaneidade que se encontra em uma encruzilhada de valores e carente do acalento de certezas esperançosas.
Aliada ao interesse intrínseco do ser humano em entender o modo como o sujeito pensante e operante no mundo, entre seus objetos de estudo, situam-se com significativa relevância, os processos mentais e sua importância no respectivo encadeamento de ideias, o bem-estar emocional e psicossocial, além do desenvolvimento de habilidades cognitivas e do potencial de memorização. Apesar do reconhecimento da psicologia como campo de estudo, o fascínio perante o lado mais desconhecido de nós, e das curiosidades que o âmago interior desperta na humanidade, são fatores que por muito tempo estimularam uma visão obscura sobre esse tipo de conhecimento, incorporado como magia e analisado sob a perspectiva do medo comum a tudo aquilo que nos é desconhecido, mas de mesma forma, indissociável a nós. O nascimento da psicologia simbolizou sobretudo, uma tentativa de “cientificizar” por meio de experimentos sistemáticos, temas e conceitos que até então eram atribuídos à expressões religiosas, visando uma compreensão sobre causa, efeito e motivações, partindo de uma observação palpável da natureza, sonhando não com o fim da abstração metafísica, mas com a capacidade de criar métodos que auxiliassem a aproximação entre mente, corpo e espírito.
Contudo, o desabrochar das pesquisas que se dedicaram às veredas inimagináveis do que nos forma como sujeito, assim como sua relação com aquilo que somos ou acreditamos ser, não rompeu com séculos de cultos e crenças das mais antigas civilizações, que ergueram-se tendo como principal foco de sustentação de suas forças, a sua percepção sobre o sagrado. No antigo Egito, por exemplo, registra-se um profundo e intrincado pensamento acorrentado por uma religião. Constata-se que a emblemática figura da Esfinge, pode ser encarada como uma verdadeira mãe daquilo que hoje se conhece como filosofia do autoconhecimento e consciência de si no universo, caracterizando-se como uma antiga fagulha de psicologia documentada. Ao lançar a Édipo o seu mais indecifrável enigma: “Qual o animal que de manhã tem três patas, ao entardecer tem duas, e ao anoitecer tem três patas?”, o ser humano passou a sentir-se na obrigação de procurar respostas em si e dentro de si para as grandes perguntas do mundo, e em linguagem tão metafórica quanto a charada, saber ler a vida por meio da linguagem simbólica a partir da qual ela se apresenta, na exigência de uma hermenêutica com a qual poderemos escrever e conhecer nossa própria lenda. A perspicácia diante da indagação da Esfinge, livrou Édipo de ser devorado, mas salvou a humanidade, que por sinal, era a simples resposta para a convicta e grandiosa pergunta, presenteando-a com a informação de que olhar para si é a chave para desvendar os mais fabulosos e complexos mistérios que a ronda.
A devoção aos seus deuses, e o hábito de povos que se destacam principalmente no mundo oriental e meso-oriental, indicam a trajetória do ser humano, lado a lado com os fenômenos mais instigantes do além-mundo e daquilo que está para além do mundo sensível e dessemelhante, proposto pelo pensador grego Platão em sua teoria dos dois mundos. A máxima de seu antecessor, Sócrates, também pertencente à Antiguidade clássica: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”, já nos revela um olhar para dentro de si como forma de alcançar o conhecimento sobre um amálgama de ideias, tradições e especulações que objetivam explicar o inexplicável. Verifica-se que ao nos encontrarmos, nos depararemos com um espelho no qual estará refletido, tudo o que gostaríamos de conhecer. Para isso, é necessário primeiramente, se reconhecer e galgar degraus de ascensão rumo à consciência de si. Com a evolução do pensamento ocidental, posiciona-se como um expoente da abordagem fenomenológica do estudo ontológico no mundo moderno, o filósofo alemão Martin Heidegger, que assimilou a filosofia como objeto de perguntas profundas sobre o “ser”, com uma clara influência existencialista. Segundo seu pensamento, nós próprios somos entidades a ser analisadas, tendo como ponto de partida, a perspectiva interna do indivíduo e mais uma vez, tecendo uma análise com a psicologia e com o esforço de deparar-se consigo mesmo na busca por soluções e interpretações.
A agilidade com a qual a psicologia vem se desenvolvendo, é acompanhada por uma diversidade de campos de estudo, e pelo surgimento de inovações científicas dos novos tempos. Mais do que nunca, a sociedade está passando por transformações, e os seres humanos, por revoluções que são por vezes silenciosas. Conhecer a si mesmo e contribuir com o conhecimento do outro sobre ele próprio, é o objeto de estudo dessa área do saber, que se entrelaça com tantas outras, em múltiplas vertentes de conhecimentos advindos desde a o estudo das religiões, até a mais atualizada Neurociência, passando pela Linguagem, Literatura, História, Sociologia e Filosofia. Conhecer-se é um desafio que pode se tornar o grande significado do viver, cabe somente a nós, cumprir uma tarefa que dispõe de uma vida inteira para que seja realizada, mesmo em meio a tribulações e momentos em que somos postos à prova, pois como dizia Schiller, nas grandes adversidades, a alma nobre aprende a conhecer-se melhor.