A Filosofia, o Mito da Caverna e o Show de Truman

 
          Em seu famoso diálogo A República, Platão descreve pessoas que passaram a vida acorrentadas dentro de uma caverna. Da perspectiva que lhes é concedida ter, elas só conseguem ver sombras projetadas nas paredes pela luz de uma fogueira, sombras essas forjadas por outro grupo de pessoas, que circulam em volta, carregando objetos, fora do alcance da visão dos acorrentados. É com essa imagem alegórica que o filósofo ateniense demonstra que estamos suscetíveis a desenvolver ideias enganosas sobre a natureza da realidade, caso se baseiem apenas nas aparências do mundo sensível, aparências essas, por sinal, manipuláveis, arranjadas, como nos faz crer o teatro de sombras descrito no Mito da Caverna.
          A Alegoria da Caverna, como ficou conhecida a historieta, escrita há mais de 2.000 anos, guarda surpreendente semelhança com a nossa realidade cotidiana, no que tange à exposição intensiva aos meios de comunicação de massa e a sua capacidade de influenciar o modo como percebemos e julgamos todos os aspectos de nossa existência contemporânea. A estupenda velocidade com que atualmente nos interconectamos através desses veículos, incluindo a internet, também nos acorrenta a sombras virtuais, e embota a nossa capacidade de desenvolver um pensamento autônomo a respeito dos processos individuais e coletivos que se desenrolam à revelia de nossa vontade. Nesse teatro de sombra e luz que as telas produzem somos todos prisioneiros, aficcionados por mágicas representações da realidade, e quem comanda o show são os ilusionistas, os detentores dos meios de produção teatral.
          Como no Mito da Caverna, escapar dessa armadilha tecnológica, requer um esforço heroico, traduzido numa deliberada intenção de apagar as luzes fictícias para enxergar o que há por trás de todas as projeções veiculadas, afastando-se, num primeiro movimento, do palco principal, para explorar os bastidores e arredores. Exatamente como fez a personagem principal do filme “ O Show de Truman”, que, ao completar 30 anos, começa a notar inconsistências em seu mundo perfeito e acabado e resolve investigar o que há do lado de fora dos muros de sua própria vida. Essa atitude destemida de Truman é o papel que cabe à Filosofia explorar, despertando olhares sempre investigativos e críticos sobre as representações de mundo dominantes.