Passei no concurso para juiz de direito com meus próprios méritos. Meritocacia.
Passei no concurso para juiz de direito com meus próprios méritos. Meritocacia.
Outro dia desses a colega Juíza paranaense Fernanda Orsomarzo, publicou um texto nas redes sociais contando sua história de como conseguiu tamanha proeza – passar no concorrido concurso para juiz de direito, desmistificando a meritocracia e recebeu uma enxurrada de críticas.
A Juíza usa sua própria história para desmascarar as falácias da tão propalada meritocracia, e dentre os pontos abordados, Fernanda Orsomarzo afirma que se esforçou para chegar ao cargo que tem hoje, mas jamais teria conseguido se não tivesse acesso a uma série de privilégios.
A colega afirmou que a “meritocracia” é o processo de alavancamento profissional e social como consequência dos méritos individuais de cada pessoa, ou seja, dos seus esforços e dedicações.
Quem defende a teoria da meritocracia, acredita que qualquer pessoa possa chegar onde quiser apenas através do seu esforço.
De outro lado, muitas pessoas criticam essa ideia, principalmente em um País cuja sociedade é desigual, racista, machista, homofóbica.
A juíza de direito do Tribunal de Justiça do Paraná Fernanda Orsomarzo escreveu contando sua história de muito esforço, porém também de muito privilégio, para afastar a ideia de meritocracia. O post viralizou.
Fernanda, a Juíza de Direito, se classifica como branca e parte de uma família classe média, o que a possibilitou de frequentar boas escolas, cursinhos e universidades. “Todos têm suas lutas e histórias de vida. Todos enfrentam dificuldades e desafios. Porém, enquanto para alguns esses entraves não passam de meras pedras no caminho, para outros a vida em si é uma pedra no caminho”, afirmou.
Pois bem. Parece-me que temos, em parte, alguma semelhança na labuta e nos propósitos para que conseguíssemos lograr sucesso no concurso para magistrados, sabedores de todos que se trata de um concurso concorridíssimo, além de ser um dos mais difíceis dentre os concursos para qualquer outra carreira, tal o grau de conhecimento que o candidato deve possuir, além, é claro de outros fatores que são sopesados, em especial possuir uma vida regrada, eis que a vida pregressa do candidato é vasculhada.
Extrai do belo texto da colega, ela dizendo que: “Ralei duro para ser Juíza de Direito. Cheguei a estudar 12 horas por dia em busca da concretização do tão almejado sonho. Abdiquei de festas, passei feriados em frente aos livros, perdi momentos únicos em família. Sim, o esforço pessoal contou. Mas dizer que isso é mérito meu soa, no mínimo, hipócrita.”
Também ralei duro, e que dureza, para ser juiz de direito. Estudei tanto quanto, ou talvez até mais que 12 horas por dia. Ainda, para complicar, eu casado, com 35 anos, professor e diretor de escola pública, um filho pequeno, esposa também professora, e, junto a tudo isso, um sonho, sonho de ser juiz, pois já não mais me aguentava e não suportava continuar no magistério. Não via futuro algum, a não ser acabar como a grande maioria de professores abnegados, frustrados, decepcionados, desvalorizados em todos os sentidos, sem qualquer projeção social. Enfim, acabar triste e muito triste, mesmo tendo a certeza do dever cumprido, de ter sido um excelente professor de física, matemática, e um bom diretor de escola om ideias e ideais que consegui colocar em prática num dos menores municípios do Estado das Gerais.
Não tive que abdicar de festas, do convívio social, porque dia de festa e dia de trabalho se confundiam, de modo que festas existiam para os outros. Quanto ao convívio social isso nunca tive, a uma porque não me integrava a nenhum grupo social; a duas, porque desde criança roceira, pobre, de humilde família era vítima de bulling, este estigma continuou me perseguindo mesmo adulto, de modo que a única explicação para isso é o fato de ser oriundo da pobreza e de família, aos olhos dos outros, sem qualquer perspectiva, e que não integrava a casta daqueles bem aquinhoados pela vida e não, apesar da pobreza, sujeitar-se e submeter-se aos caprichos da classe dominante. Quem é do interior dos grotões das gerais sabe muito bem o que isso significa.
Ao contrário da colega que reconhece que o esforço pessoal contou, mas que tal proeza – passar no concurso, chega a ser hipócrita imaginar que seja mérito seu, no meu caso, se logrei sagrar um vencedor passando no concurso para juiz, quando tudo, mas tudo conspirava contra mim, só posso reconhecer e admitir como mérito só meu.
Continua sua narrativa: “Em primeiro lugar, nasci branca. Faço parte de uma típica família de classe média. Estudei em escola particular, frequentei cursos de inglês e informática, tive acesso a filmes e livros. Contei com pais presentes e preocupados com a minha formação. Jamais me faltou café da manhã, almoço e jantar. Nunca me preocupei com merenda ou material escolar. Todos têm suas lutas e histórias de vida. Todos enfrentam dificuldades e desafios.”
Pois bem. Parabéns colega. Com tudo isto você realmente estava predestinada a lograr-se vencedora em qualquer atividade que você escolhesse, pois ter uma família presente, dando-lhe todo apoio e os aportes necessários, podendo frequentar cursos de inglês e informática, ter acesso a bons livros, e ter três refeições por dia, não tendo com o que se preocupar com merenda e material escolar, com certeza sem nenhuma obrigação com os afazeres de casa, hoje tudo isto não é próprio de família de classe média, mas sim, de família rica. Renovo os parabéns, pois fez e faz parte da minoria de famílias com poder aquisitivo invejável. Sim, todos têm suas lutas e histórias de vida e todos enfrentam dificuldades e desafios.
Ao contrário da colega também tenho minha história de vida e enfrentei dificuldades e desafios. Pqp, que dificuldades enfrentei. Pqp, que desafios tive que vencer por não ser proveniente de uma família de classe média; por não ter uma família presente me dando todo o apoio necessário, sequer um incentivo; por não ter livros para estudar, tendo que me contentar com ‘pato donald, zé carioca, tio patinhas’, etc.; não ter as refeições necessárias; ter que estudar somente em escola pública e sem oportunidade de fazer qualquer curso como a colega teve.
Colega, peço vênia para reproduzir excertos de um texto escrito anos atrás, cujo título é “Conheça a história de um caipira que passou no concurso para juiz de direito”, facilmente encontrável no google. Recomendo a leitura.
“(...) nasci na roça e de seis irmãos, sou o mais velho (que saco viu, como gostaria de ter sido o caçula). Não renego minha origem de ter nascido na roça, ter pisado em bosta de vaca, ter tirado leite, pegado no cabo de enxada, pisado descalço nos orvalhos, tudo isso ainda criança, porque sequer tinha uma alpargata para calçar. Meus pais, roceiros, caipiras, moravam na roça, me puseram para estudar na escola da cidade, naquela época não havia escola na zona rural, então tive que ir morar com minha avó Elisa (poxa, que vó eu tive, sempre me acudia das agressões irracionais de meu pai). É, se naquela época existisse o ECA, sei não, coitado, tava 'fudidu e mal pago', pois hoje um simples puxão de 'oreia', uma simples palmada na bunda, é o quanto basta para se ver processado. Como eu era da roça, pobre, caipira por excelência, alto, magro, banguelo, desajeitado, tímido, mas asseado, limpo, pois a mamãe era muito zelosa, sempre fui vítima de discriminação, assim como eram os caipiras da roça como eu. A discriminação e humilhação que eu sofria na época hoje é chamada de bulling. Coisa da modernidade. Esse tal de bulling sempre existiu, apenas encontraram um nome diferente. Sempre fui motivo de chacota dos 'engomadinhos', dos filhos de 'papais'. Na escola vivia me escondendo, procurava não chamar a atenção dos 'mauricinhos e patricinhas', mas não tinha jeito, eu sempre era o preferido nas gozações. Minha vontade era não ir à escola, não suportava as humilhações, mas o papai não permitia. Se por qualquer motivo faltava a escola, lá vinha 'porrada' do papai. Era a forma de diálogo preferida por ele. Nossa, como apanhei na infância e adolescência, tinha pena de mim e dos meus irmãos. No entanto, como forma de superação das humilhações eu me punha a estudar e o meu propósito era ser um bom aluno e acho que fui, pois acabei despertando a atenção de algumas boas almas, a exemplo do falecido professor Januário e das professoras Dona Coca, Dona Inês, Dona Neiva. (...). Quando saía da escola eu ia vender sorvetes e engraxar sapatos pelas ruas da paróquia para com o lucro – alguns centavos, poder comprar materiais escolares, gibis, livretos de bolso. A pobreza doía, mas não doía tanto quanto ser humilhado pelos colegas de escola aquinhoados pela confortável situação financeira de seus pais, ao deparar-me pelas ruas vendendo sorvetes e engraxando sapatos. Meus pais de tanto trabalhar na lavoura conseguiram amealhar algumas economias e conseguiram comprar um bar na cidade. Com isso tive que voltar a morar com eles e, agora, no bar, fazer sorvetes, e ajudar no balcão. Não tinha hora para dormir e se necessário ficava até madrugada (eu com 10, 11 anos) por conta dos boêmios que ali ficavam embebedando-se. (...). E assim terminei o primário (1ª a 4ª série), apanhando de meu pai, pois era o diálogo preferido por ele, e sendo motivo de, ora indiferença, ora de chacota dos colegas. Concluí que ser pobre, apesar do desconforto da carência de tudo, pior é a discriminação e a humilhação por parte daqueles que se achavam no direito de ditar as regras para os infortunados. (...) Com o término do primário com bulling e tudo, como na paróquia não tinha o ginasial, imaginei que estava livre da escola, das humilhações, das gozações, mas ledo engano. Então o papai me obrigou, na porrada, é claro, apesar das dificuldades e ainda da pobreza, a continuar o estudo, a fazer o ginasial (5ª a 8ª série) em Camanducaia, município vizinho. (...) Queria morrer. Mas por sorte, sobrevivi. (...) Comecei a cursar a 5ª série com direito a todo tipo de discriminação, de humilhação, de gozação (...). Que sina a minha. Não deu outra, comecei a faltar às aulas e a conseqüência (como dizia o conselheiro Acácio na Roma antiga, ela vem por último), fui reprovado em matemática. (...) Lá vai mais um ano na 5ª série, sempre agüentando humilhações, mas desta vez consegui ser aprovado para a 6ª série. (...) Mas foi mais um ano perdido, consegui a proeza de ser reprovado mais uma vez, e, ainda, em matemática. (...) Eu adorava ler, até por falta de opção, o Tio Patinhas, Zé Carioca, Zé Colméia e outros gibis, adorava ler os westerns, livros de bolsos. Eu tinha caixas deles. Era a minha literatura preferida, pois não tinha acesso a livros. (...) Bom, então retomei os estudos na 6ª série, agora na Província, e pasmem, não sei o que aconteceu, de repente desabrochei para os estudos e me apaixonei por matemática, matéria que me reprovou por dois anos em Camanducaia. (...) Consegui a proeza de terminar o ginasial com louvor. Agora eu sentia que não mais poderia parar de estudar, de modo que o papai não mais precisaria me encher de porrada para ir na escola, até porque, com todas as humilhações, discriminações, pobreza, era através dos estudos que eu poderia conseguir o meu espaço, o meu lugar no mundo, ser um ator de mudanças e não mero coadjuvante, vencer a pobreza, a humilhação, mostrar aos 'grandes' que se eram e se sentiam importantes, a bem da verdade, é porque eram produtos de herança, herança patrimonial, social e política. Eu tinha por objetivo mostrar àqueles que me humilhavam e que pouco caso fazia de minha pessoa caipira, simples, pobre, de até então existência insignificante, que poderia sim, começando pelo 'chão de fábrica', mostrar-lhes que não conseguiram anular o meu potencial e que a minha perseverança, ainda que por conta das porradas do papai, era a alavanca para que um dia eu viesse a ocupar o espaço que a mim estava reservado, não pelo destino (não acredito em destino), mas sim que dependia apenas e tão somente de ir em sua busca. (...) Matriculei-me no colegial em Extrema (...) Mudei de curso. Meu aproveitamento era invejável. Melhores notas em todas as matérias, apesar de todas as dificuldades que ainda enfrentava. Mas o melhor de tudo, conheci aquela que seria e é o meu porto seguro, aquela que me ajudou a vencer todos os desafios até porque, também, era de uma existência simples, e lutava com dificuldades similares às que eu lutei. Mas era guerreira, batalhadora. Não me deixava desistir dos meus sonhos e propósitos. Também foi vítima de intolerância, de humilhação. (Enquanto ainda cursava o colegial recebi um convite para lecionar matemática no ginásio em Itapeva em substituição ao titular. O convite se dera em razão de sempre ter tido, após ser reprovado por dois anos na matéria, um excelente desempenho na área. Meu primeiro emprego. Minha carta de alforria. Aceitei, claro, e em pouco tempo me tornei um excelente professor de matemática e respeitado pelos alunos e pela direção da escola, mas não bem visto pelos colegas professores porque eu conseguia ensinar e eles, por certo, eram bons enganadores. Tornei-me referência. Bom, o bulling, enquanto aluno, era coisa do passado, mas se fazia presente pelos colegas frustrados, pobres de espíritos e desapegados de qualquer viés cultural. Eu adorava estudar, ler, me atualizar, enfim, alimentava minha alma de conhecimentos, de cultura. Os outros? Ah os outros... Mas ainda continuava trabalhando atrás do balcão, agüentando os boêmios, fazendo sorvetes, fritando pastéis. Estava na adolescência e, enquanto meus 'amigos' que agora me toleravam, não me aceitavam, divertiam-se nos finais de semana, feriados, era quando eu mais trabalhava, pois o movimento no bar era maior. (...) Mas trabalhando em dois colégios e em dois períodos e, também no bar, por certo não podia fazer um curso regular, então a saída foi prestar vestibular na Faculdade de Matemática e Física de Varginha, curso vago, aos finais de semana. Mas ainda trabalhava atrás do balcão e 'iscutanu' os Nelson Gonçalves da vida e atendendo e aguentando os boêmios. (...) A duras penas me formei em matemática, física e desenho. Consegui cursar um curso superior, coisa para poucos na época, somente para os aquinhoados financeiramente. Continuava lecionando e cada vez mais sendo referência. Eu tinha uma boa didática, conseguia com que meus alunos, agora do colegial, apreendessem e aprendessem a matéria. (...). Depois de tanta dificuldade enfrentada, seja dificuldade imposta pela vida, seja pelas pessoas, casei-me com minha guerreira. Agora somando nossa ainda pobreza, nem tanto quanto antes, mas socializando os ganhos, os gastos, os projetos de vida, os sonhos. Como conseqüência da minha dedicação aos estudos e responsabilidades, acabei assumindo a direção da escola. Agora era diretor e professor. Melhorou, por óbvio, o rendimento, mas, também, tinha que trabalhar os três períodos, eu e minha guerreira. Como conseqüência (lembre-se do Conselheiro Acácio) dessa união adveio o rebento. É a única inveja que tenho nesse mundo. E ele é motivo de inveja daqueles que não tiveram a sorte de ter filhos guerreiros, determinados, independentes e responsáveis.
Conclui a colega dizendo que “O mérito não é meu. Na linha da corrida em busca do sucesso e realização, eu saí na frente desde que nasci. Não é justo, não é honesto exigir que um garoto que sequer tem professores pagos pelo Estado entre nessa competição em iguais condições. Nunca, jamais estivemos em iguais condições. O discurso Porém, enquanto para alguns esses entraves não passam de meras pedras no caminho, para outros a vida em si é uma pedra no caminho. Meu esforço individual contou, mas eu nada seria sem as inúmeras oportunidades proporcionadas pelo fato de ter nascido – repito – branca e no seio de uma família de embasado na meritocracia desresponsabiliza o Estado e joga nos ombros do indivíduo todo o peso de sua omissão e da falta de políticas públicas. A meritocracia naturaliza a pobreza, encara com normalidade a desigualdade social e produz esquecimento – quem defende essa falácia não se recorda que contou com inúmeros auxílios para chegar onde chegou”.
Colega, não falo por você e por ninguém. Falo por mim, talvez eu tenha sido um caso raro, ou dentre poucos, eu sem a estrutura familiar e sem os aportes da colega, logrou chegar ao seu porto seguro, pois era meu objetivo. Fui determinado. Fui marrento. Tudo conspirava contra mim no que tange aos meus objetivos e sonhos, inclusive a própria vida. Consegui a proeza de passar logo no primeiro concurso. Ainda que muitos não acreditem, mas a palavra superação, ao menos no meu caso é muito pertinente, ainda que incomode muita gente.
Não tenho outro conselho a não ser dizer que se deseja algo na vida, corra atrás, lute, esforce-se, pois você conseguirá. Não se pode ver nesse conselho um discurso somente motivacional. Por certo nem tudo depende somente de nós. Posso dizer que lutei para alcançá-lo. Já disseram que um banho de mérito faz um bem danado ao ego de qualquer um. No meu caso não tive outras variantes que pudesse somar-se ao mérito, pois não tive outras pessoas a me alavancar, pelo contrário, forças unidas e contrárias. Não tive condições para fazer um curso de datilografia, de inglês, e mesmo um curso preparatório; não tive bolsa de estudos. O mérito e a superação baseiam-se apenas no indivíduo, deixam de lado uma porrada de outras "variáveis sistêmicas" que, se ignoradas, podem nos tornar insensíveis e alienados. Sim, mas não encontro nas minhas análises qualquer outra variante a não justificar meu sucesso que não seja na meritocracia. Lutar e conseguir não pode ser uma meia verdade perigosa. Não podemos usar a meritocracia como pretexto para o Estado fugir do problema da desigualdade. A meritocracia, para aqueles que não acreditam em sua existência, deve tão somente deixar de ser usada como pretexto para se ausentar.
Continuando colaciono mais alguns excertos do texto acima referido e que recomendo a leitura. “(...) resolvi, então, aventurar-me pelo Direito. Eu lia muito os gibis, westerns, quando criança, agora tinha opção de leitura e, o melhor, sempre gostei de ler. Eu conversava com os livros. Então resolvi fazer Direito.Prestei vestibular e passei, por certo passaria mesmo. Continuava lecionando e dirigindo a escola, enquanto isso meu filho crescendo sem nossa presença. (...) É bom que fique claro que ao resolver cursar Direito o fiz com um único objetivo: queria ser Juiz de Direito. Comecei o curso de Direito com 38 anos de idade. Em razão da idade não poderia me dar ao luxo de freqüentar os 'barzinhos', de comprar livros, como a maioria dos estudantes. Não tinha tempo a perder. O tempo caminhava a galope. Tinha que dar condições para o rebento ser alguém na vida. Eu era muito dedicado nas aulas. Respirava, comia e bebia o que os professores ensinavam. Frequentava a biblioteca habitualmente. Passava os finais de semana e feriados estudando. Era um verdadeiro cdf. Não tardou a chamar a atenção dos professores e ser considerado, durante todo o curso, como um dos melhores alunos do curso de Direito. (...) assim terminei o curso de Direito, com louvor. Sentia-me muito bem preparado teoricamente. Sempre fui estudioso. Fui disciplinado. Fui um cdf. Sabia o que queria. Tinha o meu objetivo definido. Não esmoreci diante dos obstáculos impostos pela vida, pelas pessoas, pelos invejosos. Frequentei o curso todo com um único propósito: passar no concurso para Juiz de Direito.Sentia que, caso não fosse bem sucedido no concurso para magistratura, seria bem sucedido na advocacia, pois estava muito bem preparado teoricamente e, também, porque já tinha percebido que a maioria dos advogados militantes era praxistas, desatualizados. Sabia que na advocacia iria levar mais tempo do que outros advogados para vencer, porque advogado sério, honesto, ético, leva mais tempo para despertar o respeito e a credibilidade. Mas o meu objetivo era a magistratura.(...) Hoje, as vésperas de minha aposentadoria, sou Juiz de Direito em Monte Sião, isso após ter sido em Guaranésia, minha primeira Comarca, onde aprendi a ser Juiz com a ajuda dos meus amigos e familiares serventuários da Justiça – Ismael, Raul, a Poderosa, Ivana, Andiara, Élcio, Juninho e seu pai, Lucimara, Pratinha, Izabelzinha, Eliana, Maria Inês, bem como dos advogados militantes, e você, já que queria saber, está lendo nesse exato instante parte da minha história de vida e gostei muito de compartilhá-la com você. É lógico que cada um tem a sua história de vida. Eu a minha que você está lendo, você a sua, que desconheço. Quando for enfrentar algum desafio em sua vida, lembre de que para chegar ao seu porto seguro terá que apanhar muito da vida, talvez não tenha que apanhar do papai, como apanhei tanto, mas uns 'esporros' é sempre bom, e saiba que nem eu e nem ninguém é melhor do que você. Trata-se apenas de ter disciplina e dedicação. É preciso que seja perseverante. Insistente. 'Marrentu'. Ter objetivo. Sonhar e torná-lo realidade. Vá em frente. Deixe o seu sonho tomar conta de você e despertá-lo para a vida! Busque concretizá-lo. Se eu consegui, após tudo que passei, após apanhar tanto do papai e da vida, após ser gozado, humilhado, você também pode! Que digam os meus desafetos! Que digam os meus invejosos! Desperte o ciúme nas pessoas, por certo o ciúme delas é uma maneira de reconhecimento de que você é vencedor. E nunca esqueça que por trás da magnificência de uma toga, já que vesti-la é o seu sonho, como no meu caso, há, na essência, sempre, um homem, igual a qualquer outro, repleto de anseios, angústias, esperanças e sonhos. Ah, vou confidenciar-lhe um segredo, até hoje não me sinto confortável quando me chamam de Doutor. Nunca atendo o telefone dizendo ao interlocutor que é o Dr. Fulanu. Tenho aversão ao terno, claro né, nem uma alpargata eu tinha para calçar os pés.
Bão sô, enfim, para você digo que para passar em concurso para juiz não tem segredo nenhum, basta conhecer o Direito e, para tanto, basta estudar, ser disciplinado, ser perseverante, não ser preguiçoso, abdicar de muitas coisas boas da vida enquanto se prepara, mas sabe 'cara', é 'foda' com PH.
Obs. Como redigi com a alma para responder-lhe a pergunta que me fez após assistir a audiência de instrução e julgamento, não tive a preocupação de fazer as devidas correções ortográficas. Escrever com a alma é muito bom, e o vernáculo a que estamos acostumados enche o 'saco'. Deixo procê o meu abraço e espero que seja feliz e bem sucedido no seu propósito, mas repito, o que eu já dissera, se não for projeto de vida, não vale a pena ser juiz, infelizmente.
Bom, sei que se trava uma acirrada discussão quanto a aceitar a meritocracia como justificativa para galgar algum sucesso por esforço próprio sem nenhuma outra variável, aporte. É meritocracia o sujeito nascer com mínima ou nenhuma condição para poder alavancar a sua vida? Nas minhas condições não encontro outro subsídio a me fazer aceitar de que outros fatores contribuíram. E não estou sendo hipócrita. A colega, tem sim alguma razão, pois concordo, se eu, na época, tivesse as mesmas condições dela, possivelmente eu teria conseguido algum atalho.
No Brasil oportunidades para negros, brancos, amarelos está ficando cada vez mais difícil e existe uma desvalorização do povo brasileiro em sua essência (povo amável, onde povos inimigos são fraternos no Brasil), precisamos ver as oportunidades e não esquecermos de aproveitar com unhas e dentes. Nem todos serão pessoas ricas e famosas, porem estarão vivendo um mundo melhor e mais digno.
De modo que considero-me um produto da pobreza, do mato, de família de excluídos, de família desprovida de perspectivas, no entanto, se não acendesse em mim a chama da lamparina de querer vencer na vida, e ser bem sucedido no meu propósito, nem com as políticas públicas do Governo seria capa de me projetar em um futura que me desse a oportunidade de ser útil a mim e à sociedade.
Concluindo, a meritocracia, não pode ser tida como uma falácia. Se não pode abarcar todos os cidadãos que conseguem algum sucesso em seus propósitos, pois sempre haverá ,ainda que indiretamente, alguma variável, seja de origem políticas públicas, seja da célula familiar, seja de amigos, mas tudo isso sem o mérito que o cidadão tenha, possua, de nada será válido.
Extrema 2004/19.
Milton Biagioni Furquim
Juiz de Direito