Casos Jukes e Edwards
Sílvia M L Mota

Introito
 
Alguns autores trazem a lume estudos realizados nos Estados Unidos com o intuito de demonstrar o quanto seria válido, para o Estado e a sociedade, impedir a reprodução dos Jukes e estimular a dos Edwards.
 
Baseados em dados estatísticos contundentes, os americanos, possuidores de um assustador idealismo construtor, adotaram medidas para deter a então denominada calamidade, realizando investigações minuciosas sobre as consequências sociais da reprodução de tipos bons e maus reprodutores.
 
Os casos dos Jukes e dos Edwards são clássicos e de invencível eloquência.
 
Família Jukes
 
Em 1874, Richard L. Dugdale foi contratado pela New York Prison Commission, para visitar as prisões do Estado. A visita surpreendeu-o, por encontrar criminosos em seis diferentes prisões, cujos parentes eram também transgressores das leis ou indigentes. Mais surpreso ficou, ao descobrir que esses seis indivíduos, com quatro nomes diferentes, eram todos originários da mesma família Jukes [1], que se tornou um mito urbano após a divulgação da pesquisa.
 
O estudo realizado nos Estados Unidos relata a existência da linhagem familiar dos Jukes, oriunda do alto do Vale do Hudson, no Estado de Nova York, derivada da união de dois indivíduos deploráveis: Ada Yalkes, nascida em 1740, descrita como ladra e alcoólatra e Max Juke, descrito como devasso.
 
A descoberta levou Dugdale a investigar a linhagem imoral, libidinosa e lasciva daqueles criminosos, entre vivos e mortos. Entregou-se à pesquisa com grande zelo e passou a averiguar os registros dos tribunais e das prisões e os relatórios de pobres casas da cidade, para além do testemunho de antigos vizinhos e empregadores. Descobriu o pesquisador, que os descendentes se entregaram à vida desregrada e vergonhosa, de tal forma, que nem mesmo entre os criminosos e indigentes foram respeitados. Há um pauperismo honroso. Não é uma desgraça ser pobre ou ser morador de uma casa pobre, se houver uma boa razão para isso. É possível ser digno na pobreza. Mas, os Jukes nunca foram dignos ou honrosos.
 
O pescador americano Max Jukes, nascido em 1.720, era um débil mental muito prolífico e a investigação de Dugdale estabeleceu em detalhes a vida de 540 dos seus descendentes, através de cinco gerações. Cerca de 169 casaram-se com membros da própria família e, até o ano em que se realizou o estudo em pauta, 1.200 descendentes foram assinalados.
 
Os traços quase universais da família Jukes foram a ociosidade, a ignorância e a vulgaridade. Essas características levaram-nos à doença e à desgraça, ao pauperismo e ao crime. Constituíram uma família repugnantemente doente como um todo. Havia muitos imbecis e muitos insanos. Aqueles Jukes que tendiam ao pauperismo raramente eram criminosos e os criminosos raramente eram indigentes. Os doentes, os fracos e os bondosos eram quase todos pobres e os saudáveis e fortes dedicaram-se ao crime.
 
O Estado de New York gastou, entre crimes e pauperismo, mais de US $ 1.250.000 com essa família, que, no conjunto, para além de não contribuir para a prosperidade do mundo, custou mais de US $ 1.000 por cabeça, incluindo-se todos os homens, mulheres e crianças, que foram tratadas nos hospitais, alimentadas nas prisões, socorridas na miséria e fiscalizadas nas suas atividades perigosas. Os Jukes trabalhadores desempenharam o mais simples tipo de serviço e receberam os menores salários. Apenas 20 dos 1.200 descendentes aprenderam um ofício, sendo que 10 o aprenderam na prisão estadual e, mesmo assim, não foram regularmente empregados. Poucos dos Jukes frequentaram a escola por um tempo considerável e, provavelmente, nenhum deles obteve uma educação escolar rural completa. Segundo Dugdale, 310 eram pobres profissionais, 300 morreram na infância por falta de bom atendimento e boas condições; 50 mulheres viveram em notória devassidão; 400 homens e mulheres foram fisicamente destruídos cedo, vitimados pela própria maldade; 7 foram assassinos; 60 foram ladrões habituais que passavam em média doze anos cada um em depredações sem lei; 130 foram criminosos condenados com maior ou menor frequência por crime.
 
A exposição do pesquisador Dugdale era alarmante, mas a sua mensagem difundia esperança. Ao presumir que a família Juke herdara uma propensão ao comportamento criminoso, também acreditava que uma tendência hereditária ao crime poderia evitar-se. Em seu otimismo, conjeturava sobre a natureza da criminalidade e da hereditariedade, ao asseverar que o ambiente tende a produzir hábitos que podem se tornar hereditários, se for suficientemente constante para produzir modificações no tecido cerebral.
 
Mas, o trabalho de Dugdale foi drasticamente invertido. De um alerta por ações sociais com relação à pobreza, os Jukes se transformaram no símbolo da hereditariedade do crime, do vício e da debilidade mental. Um dos primeiros a distorcer o trabalho de Dugdale foi o reverendo Oscar McCulloch (1843-1891), pastor da Igreja Congregada de Plymouth, em Indianápolis, para quem os criminosos, os degenerados e os indigentes eram, na verdade, parasitas sociais e, como tais, deveriam ser eliminados. Em 1891, o Reverendo Oscar McCulloch tornou-se presidente da National Conference of Charities and Corrections, contribuindo assim para que conseguisse disseminar as suas ideias entre os funcionários das instituições de caridade e das prisões, preparando lara passagem para o avanço posterior das instituições eugênicas.
 
Família Edwards
 
A história dos Jukes publicada por Dugdale, provocou inúmeras polêmicas em editoriais e ensaios. As características abomináveis da família provocaram no mundo social e cultural, a reivindicação por assistir fatos contrastantes, alegres, reconfortantes e convincentes. Nesse sentido, inúmeras tentativas foram perpetradas sob o escopo de encontrar uma pessoa de necessária proeminência, nascida há muito tempo, com o vigor necessário de intelecto e força de caráter que estabelecesse o hábito de edificar grandes famílias.
 
Foi assim, que em 1897, decorridos mais de 20 anos após a publicação do caso Jukes, uma organização acadêmica profissional, à qual o autor teve a honra de pertencer – designou-lhe, sem o seu conhecimento ou consentimento, o dever de preparar um ensaio sobre Jonathan Edwards, para a reunião de maio de 1898. O estudo levou a uma busca pelos fatos da família. Quando veio a lume, que um dos descendentes de Jonathan Edwards presidira a New York Prison Commission à época em que Dugdale realizara o estudo dos Jukes, o contraste entre as duas famílias foi mais do que aparente.
 
Jonathan Edwards nasceu em 5 de outubro de 1703, em East Windsor, Connecticut, EUA, único filho homem entre dez filhas. Era filho do pastor Timothy Edwards com Esther Stoddard. O avô materno, Solomon Stoddard, foi líder espiritual da cidade de Northampton, Massachusetts, por 57 anos.
 
Edwards começou a estudar o latim aos seis anos de idade e aos treze já era fluente também em grego e hebraico. Com dez anos escreveu um ensaio sobre a imortalidade da alma e aos onze, escreveu um excelente texto sobre as aranhas voadoras. Em 1716, quando tinha apenas treze anos, ingressou na Universidade de Yale,de fundação dos Puritanos em New Haven, e em 1720 obteve o bacharelado, iniciando em seguida os seus estudos teológicos nesta mesma instituição, obtendo o mestrado em 1722. Em seguida, assumiu uma cadeira de professor assistente em Yale, cargo que ocupou por dois anos.
 
Homem sadio e equilibrado, Edwards entrou para a história como um pregador congregacional, teólogo calvinista e missionário aos índios americanos e é considerado um dos maiores filósofos norte-americanos. O seu trabalho teológico é abrangente, com a defesa da teologia reformada, a metafísica do determinismo teológico e a herança puritana. Pregou a doutrina mais extraordinária até então proferida por um líder americano, mas esse foi apenas o resultado lógico da projeção intelectual do seu esforço para fazer sacrifícios em prol da humanidade. Quando criança, sacrificou tudo pela saúde e virtude e como adulto não conheceu outro plano ou propósito na vida. Sua obra-prima discorre sobre a "vontade" que desenvolveu ao máximo em si mesmo.
 
Em julho de 1727, casou-se com Sarah Pierrepont, filha de James Pierrepont, pastor da Igreja de New Haven e bisneta do primeiro prefeito de Nova York, com quem teve 11 filhos, sendo que uma das suas filhas veio a se tornar mãe do vice-presidente Aaron Burr. Edwards morreu em 22 de março de 1758, Princeton, Nova Jersey, EUA, aos cinquenta e seis anos, devido a complicações resultantes de uma vacina contra varíola. Sua viúva acompanhou-o na morte, algumas semanas depois. A terrível tensão a que os seus filhos foram submetidos na infância, por falta de escola, privilégios e condições sociais agradáveis, além da perda dos pais, não afetaram o brilhantismo do seu desenvolvimento. Jonathan Edwards não deixou um grande legado financeiro, mas transmitiu aos filhos capacidade intelectual e vigor, caráter moral ilibado e devoção ao trabalho, que se projetaram através de oito gerações sem perder a força do grande ancestral. Entre os três filhos e oito filhas, não houve um, nem marido ou esposa de um ou de outro, cujo caráter e capacidade, cujo propósito e realização não se transformaram em crédito para aquele homem piedoso. Três filhos formaram-se em Princeton e cinco das filhas casaram-se com graduados universitários, três deles de Yale e cada um de Harvard e Princeton. Foi assim, que esses valorosos indivíduos erigiram a base moral que fortaleceria a trajetória de vida dos demais descendentes.
 
Até a época em que se realizaram os estudos, contava-se 702 descendentes para a família Edwards. Desses, 295 formaram-se em universidades, 13 foram diretores de colégios, 65 foram professores, 60 foram médicos, 100 foram padres, 75 foram oficiais, 60 foram escritores, 30 foram juízes, 3 foram senadores e 1 foi Vice-Presidente da República.
 
Nota conclusiva
 
Depreende-se do texto aqui exposto, que nos Estados Unidos edificaram-se bases teóricas e práticas sociais a partir da percepção de que a eugenia seria uma autêntica ciência da hereditariedade, sob o propósito de melhorar as especificidades genéticas humanas. Em um contexto pautado em teorias discriminatórias, buscou-se legitimar práticas sociais com vistas à melhoria racial da espécie humana, a partir da abolição de determinadas características consideradas eugenicamente inferiores.
 
Notas
 
[1] A palavra "jukes" significa "roost". Refere-se ao hábito das aves não terem casa, nem ninho, nem gaiola, preferindo voar para as árvores e longe dos lugares pertencem. A palavra também chegou a significar pessoas que são muito indolentes e preguiçosas para se levantar ou sentar-se, mas que se espalham em qualquer lugar. "The Jukes" constituem uma família, cujos membros não formam lares bons, não se oferecem confortos e não trabalham firmemente. São como galinhas que voam de árvore em árvore para descansar.
 
Referências
 
GOMES, Hélio. Medicina legal. 11. ed. Rio de Janeiro: F. Bastos, 1968, p. 314-315.
 
WINSHIP, A. E.; LITT, D. Jukes-Edwards: a study in education and heredity. Release Date: apr. 14. Produced by Suzanne Lybarger, Martin Pettit and the Online Distributed Proofreading Team. HARRISBURG, PA.: R.L. Myers & Co., 1900. Disponível em: https://archive.org/stream/jukesedwards15623gut/15623.txt. Acesso em: 2 jan. 2019.
Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz
Enviado por Sílvia Mota a Poeta e Escritora do Amor e da Paz em 03/01/2019
Reeditado em 14/01/2019
Código do texto: T6541618
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