ACESSIBILIDADE: O DESAFIO EM BLUMENAU

A população total de Blumenau (SC), segundo dados do IBGE, para o ano de 2014 era de 334.002 habitantes distribuídos numa área de 519,8 quilômetros quadrados, sendo 206,8 km² (39,8%) de área urbana e 313,0 km² (60,2%) de área rural, sendo o terceiro município mais populoso do estado.

Com esta população a cidade teria condição de oferecer estruturas físicas e realidades de comunicação adequadas capazes de suprir as barreiras que impedem o direito de ir e vir das pessoas com deficiência, pessoa com necessidades especiais ou que tenham limitação física? Será que o Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência (COMPED), cujo objetivo é cobrar a efetividade das políticas públicas voltadas a este segmento da população, teria condições de assegurar o acesso a espaços de uso público ou coletivo, ao livre trânsito nos logradouros, ao uso de mobiliários públicos e utilização de prédios e equipamentos de uso comunitário às pessoas com deficiência? E o município com recursos limitados poderia arcar com os elevados custos da transformação da teia viária da cidade? E se houvesse o Brasil poderia oferecer exemplo para nortear as práticas a serem adotadas?

Foram estas as questões principais que me levaram a concorrer ao cargo de representante da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Blumenau (SC) no COMPED, sendo o que se pretende discutir, no artigo.

Pois bem. Ao longo dos anos Blumenau vem se destacando pelo culto às tradições tecnológicas e humanísticas voltadas em última instância à melhoria da qualidade de vida de seu povo. Tanto é que o coeficiente de Gini, cálculo realizado para medir a desigualdade social, é de 0,51, o IDH geral de 0,855, e a posição em relação ao desenvolvimento humano de Santa Catarina é a 5ª, situando o município na 19ª posição no cenário brasileiro. Com tudo isso, merece a nosso ver ser reconhecida também como a cidade do desenvolvimento social e do compromisso com o bem-estar da população em geral. E, sobretudo da população excluída formada por pessoas com deficiência. Não é mesmo?

Isso é o que se deseja, e que vai ser transformado em nossa missão durante a vigência do mandato de confiança a mim conferido.

Preambularmente, para se questionar e exigir a adoção de políticas públicas o primeiro passo é conhecer, mediante levantamento de informações econômico-sociais, as pessoas com deficiência e a partir daí propor projetos que dotem a cidade de estruturas físicas adequadas à inclusão. Por este prisma, e ainda de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), vivem, em Santa Catarina, aproximadamente dois milhões de pessoas com algum tipo de carência, inscritas em quatro grandes grupos de deficiências: visual, motora, de cognição e auditiva. Os principais tipos de deficiência existentes são a motora, visual, auditiva e intelectual. Em números de 2010, disponibilizados pelo IBGE, o município de Blumenau conta 7.757 pessoas com deficiência visual. A deficiência motora acomete 5.880 pessoas, seguida das deficiências auditiva e intelectual com pouco mais de 3 mil habitantes.

Como incluir esse contingente de pessoas é desafio hercúleo. Nem resta dúvida e tampouco se desconhece as dificuldades do enfrentamento. Isto porque, em Blumenau são muitos os obstáculos que permanecem e devem ser superados para garantir o fim de barreiras físicas, de comunicação e de preconceito contra o portador de limitações. Embora algumas leis federais, estaduais e municipais promovam a acessibilidade não há efetividade dos comandos legislativos. A vontade do legislador é ignorada e os destinatários permanecem sem condições de usufruir dos encantos e das oportunidades que a cidade oferece aos residentes e visitantes. Como os deficientes visuais, auditivos e motores podem se deslocar, mesmo no centro da cidade, sem correr riscos de cair em buracos nas calçadas, de serem atropelados ao atravessar as ruas entulhadas de carros, de acessar prédios públicos em busca de oportunidade de trabalho e de direitos? E até mesmo de ingressar em seus prédios residenciais que não têm rampas de acesso e os elevadores não são adequados. E isso tudo acontecendo, mesmo que seja dever do município o fornecimento de infraestrutura urbana que possibilite a autonomia para explorar e usufruir da cidade.

Alguns irão ponderar: falta verba, o orçamento não suporta elevação de despesa. A cobertura de uma ponta da área social não pode deixar desguarnecida outra ponta. O cobertor é curto. Diante de argumentos deste jaez, lembremos que todos os municípios brasileiros, praticamente, vivenciam a mesma realidade de problemas urbanos, redução de receitas e contingenciamento de despesas. Há, porém alguns, entre os quais destaco o município de Uberlândia em Minas Gerais que com esforço e criatividade vem conseguindo driblar a crise. E o município, considere-se, conta com população quase duas vezes superior à de Blumenau e dotou a malha urbana de condições para que pessoas com deficiência circulem livremente e em segurança. E o início se deu com a luta da sociedade organizada em torno do ideal de modificar a postura preconceituosa das pessoas, ensiná-las a conviver com as diferenças e melhorar a qualidade legislativa, transformando em leis a ideia de que cada projeto novo de rua, prédio ou loteamento só seria aprovado se tivesse plano facilitador da mobilidade dos deficientes. Nessa esteira, o arcabouço legislativo municipal, seja Plano Diretor, Código de Posturas, leis de Parcelamento do Solo Urbano, leis de Uso e Ocupação do Solo bem como Código de Obras e Edificações, devem servir de instrumentos à política urbana, que contemple pessoas com deficiência física.

Claro que não se consegue transformar o meio em que se vive com inércia cívica, com falatórios desabonadores e criticas a seus governantes sem participar ou oferecer contribuições que busquem transformar o meio urbano, no presente caso, Blumenau, em exemplo de acessibilidade para pessoas com deficiência. Nem o COMPED, tampouco os representantes da sociedade civil, tem a vara de condão transformadora. Nem poderes para obrigar a implantação de projetos. O órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, integrante da estrutura administrativa municipal, dentre outras competências estatuídas na Lei complementar Lei Complementar nº 942, de 03 de novembro de 2014, exerce a função de zelar pela efetiva implementação da política para inclusão da pessoa com deficiência a contemplar a discussão sobre propostas de projetos e de ações, bem como sugerir o encaminhamento de projetos de lei que visem assegurar e ampliar os direitos das pessoas com deficiência.

A lei limita a atuação do órgão e dos representantes. Todavia, embora contida pela lei, nossa luta compreenderá a participação nas reuniões e nelas propor, cobrar verbas orçamentárias, fiscalizar a infraestrutura da cidade. Urge que se universalize o uso de calçadas padronizadas, de rampas para cadeirantes, de semáforo para cegos, de ônibus adaptados, de piso tátil de alerta, e direcional. Isto é básico. É fundamental. Mas não se pode esquecer de que qualquer programa de acessibilidade deve ir além e muito além da infraestrutura física. Por isso vamos propor o exercício de cidadania nas escolas municipais, espaço onde desde cedo alunos e professores devem aprendem a conviver com as diferenças. A escola deve afastar o preconceito e o desrespeito aos direitos das pessoas com deficiência. Talvez este seja o obstáculo mais difícil de ultrapassar, porque a falta de conscientização da população chega a ser pior do que a falta de estrutura.

Muitas foram as indagações ramificadas no texto. E as respostas merecidas, quaisquer que se dê, nunca hão de ser suficientes. Mas, em conclusão, inscrevamos em pedra: na vigência do mandato tudo faremos para fazer a sociedade e os poderes municipais entenderem que por maior que seja o custo para adaptar a cidade às pessoas com deficiências, o preço nunca chegará nem perto do tamanho dos benefícios oferecidos a toda população blumenauense.

José Erigutemberg Meneses de Lima, advogado, economista, representante da Ordem dos Advogados do Brasil - Subseção de Blumenau/SC no COMPED.

Publicado originalmente em:

http://www.oab-bnu.org.br/noticias-e-artigos/noticias/18409-09-03-artigo-do-advogado-jose-erigutemberg-meneses-de-lima-acessibilidade-o-desafio-em-blumenau-2.html