O FALSO PARAÍSO DO PAN

Até às vésperas do início dos jogos panamericanos, o centro do Rio estava o mesmo inferno de sempre. A violência vitimando como é de costume, por meio de balas perdidas, guerras entre o tráfico e a polícia, e um sem-número de assaltos nas principais vias do país. Uma situação que dificilmente se resolveria da noite para o dia seguinte, como fizeram crer na estréia do evento, os grandes órgãos de mídia de todo o país.

Do início ao fim do pan, tudo foi paz. Não houve notícias de violência nas vias, nos morros e periferias, e diminuíram sensivelmente os casos de mal atendimento nos hospitais públicos, as mortes por abandono e omissão de socorro. Pelo menos nas páginas e holofotes da imprensa, não houve casos dignos de notícia. O único azar da mesma foi o grave acidente com o avião da TAM, que não deu mesmo para esconder, pelo barulho da própria tragédia e as proporções naturais que alcançaria, mesmo que se tentasse ocultar. Quanto ao mais, estabeleceu-se o céu na terra, e ninguém se lembrou que isto aqui é o Brasil, porque todos sabem que vivemos em um país de características muito diferentes.

A verdade é que as coisas não foram bem assim. Por mais rígido que tenha sido o policiamento nas principais vias de acesso ao estado, e naquelas que ligam as periferias à capital, não foi possível acabar com a violência, nesse período. "A chapa ferveu" nos morros, onde a morte andou solta; grandes quantidades de armas pesadas e de alto poder de fogo entraram como nunca, nas favelas de sempre. O famoso Complexo do Alemão não teve por que ficar complexado, pois não foi preciso diminuir seu fluxo de drogas e outros produtos que engordam dia após dia, a bandidagem.

O que houve foi uma espécie de acordo não formalizado entre o poder público e o paralelo: O tráfico teria uns dias de paz, podendo comprar livremente, para prover suas bocas e seus exércitos. Da mesma forma, ficaram livres as guerras de bandos, os assaltos em vias de menor fluxo de celebridades do esporte e turistas internacionais. Entraram nesse acordo os maiores órgãos de imprensa do país, que deixaram de lado as más notícias e só falaram de pan: Segurança, alegria, medalhas de ouro (e de prata e bronze, "mas com sabor de ouro"), o espírito de solidariedade do carioca e do brasileiro, em geral. Nem mesmo as mazelas do estado e da união, no tocante à saúde, os casos de corrupção política e outros que frequentam a mídia puderam ser expostos.

Era necessário mostrar às américas um país padrão. Tirar das mentes internacionais a imagem (real) de uma cidade violenta, um país afundado em caos, uma sociedade maculada, um povo extremamente sofredor e abandonado em seus sofrimentos. Foi necessário fechar esse povo em seus becos e solidões, em seus conflitos e sofrimentos, em sua rotina de medo e desespero, não deixando que nada escapasse para manchar a fachada que se montou de um Rio e de um Brasil que não existem, a não ser nos períodos e limites dos grandes eventos que pedem propagandas enganosas.

Terminados os jogos, reiniciam-se as atividades do crime; da violência em um todo; do abandono e dos maus tratos nos hospitais, da corrupção política e outras sujeiras que fazem deste país uma vergonha. Reiniciam-se as atividades de divulgação e "denúncia", que "quebraram o galho" de todos, "dando um tempo", pois a causa foi "nobre". Pelo menos para as nobrezas que circularam em paz no pan, sem tomar conhecimento da cidade não maravilhosa que se esconde abaixo do sovaco da terceira entre as sete maravilhas do mundo... Nem do país que escapa da raça dos heróis cujas medalhas não podem salvar seu povo.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 29/07/2007
Reeditado em 31/07/2007
Código do texto: T584308
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