CIRANDAS DA VIDA: DIALOGISMO E ARTE NA GESTÃO EM SAÚDE

CIRANDAS DA VIDA: DIALOGISMO E ARTE

NA GESTÃO EM SAÚDE

Artigo contemplado com o Prêmio Sérgio Arouca de Gestão Participativa - Ministério da Saúde.

Autora: Vera Lúcia de Azevedo Dantas

Coautores: Angela Maria Bessa Linhares

Luiz Odorico Monteiro de Andrade,

Elisabeth Vieira da Silva Bezerra

Elias José da Silva

Francisco Marcio Firmiano da Silva

João Soares da Silva Filho

Thyago Porto de Castro

Raimundo Félix de Lima

Maria Rocineide Ferreira da Silva,

Francisco Josenildo Ferreira do Nascimento

Mayana de Azevedo Dantas

Eliane Evangelista Amaral

Andersanya Silva Batista

Tarcísio Wender Amaral Monteiro

Rejane Oliveira Lima

Nivia Paula Nobre Cavalcante

Maria Edilene Nascimento da Silva

Resumo

Este estudo tem como objeto as ações das Cirandas da Vida, em

seu dialogismo entre o princípio da comunidade e a esfera institucional

na formulação e implementação de políticas no campo da Saúde.

De igual forma, tenta apreender, nessa experiência, como se expressam

o dialogismo e a arte na gestão em saúde, buscando a perspectiva

popular. Busca, ainda, capturar como a população das comunidades

envolvidas nessas rodas expressa as diversas dimensões da sua his-

tória de luta, mediante as linguagens da arte como fertilizadoras do

princípio de comunidade. Além disso, este estudo procura analisar

como os atores e as atrizes populares se inserem na formulação e implementação dessas políticas, bem como compreender como os diferentes grupos geracionais percebem e expressam suas diversidades de leituras da realidade no dialogismo vivido no contexto da gestão atual em saúde. Por fim, procura-se analisar como as linguagens da arte contribuem para a construção de atos-limite como estratégias de superação das situações-limite apontadas nas rodas das Cirandas.

A Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (CE) adotou a Estratégia

Saúde da Família como estruturante da sua rede de serviços, buscando

a ampliação efetiva da cobertura assistencial. Nesse percurso,

tem se orientado por critérios de avaliação de risco e vulnerabilidade

nos diversos territórios da cidade, como estratégia de priorização na

ampliação do acesso aos serviços. Ao mesmo tempo, tem buscado

construir um desenho organizativo e uma proposta de gestão que potencialize a efetiva participação dos diversos atores institucionais na

tentativa de constituir espaços coletivos para análise das informações

e tomada das decisões. Neste contexto, adotou como política estruturante de organização e de gestão do serviço o Sistema Municipal de Saúde-Escola (SMSE), que nasceu com o intuito de fortalecer e consolidar a estratégia da educação permanente no município. As Cirandas da Vida surgem por iniciativa de atores e atrizes vinculados à Aneps e inserem-se no contexto do SMSE, objetivando a inclusão da educação popular nas ações educativas deste sistema a partir da dialogicidade, da problematização, da criatividade e essencialmente do “saber-de-experiência-feito” (FREIRE, 1999) dos diversos sujeitos implicados, na perspectiva de construção da autonomia.

Para a realização deste estudo, trabalhamos com a pesquisa-ação,

método que envolveu 7 pesquisadores-atores populares, que conduziram a ação nas diferentes regiões da cidade e construíram uma escrita coletiva, que partiu de questões geradoras levantadas na comunidade ampliada de pesquisa, onde também se construíram os indicadores, tendo como referências a observação participante, os relatórios produzidos e os produtos artísticos construídos no processo. Ancorado numa proposta multirreferencial, que traz a base conceitual da educação popular e dos referenciais da arte e da saúde coletiva, este estudo propõe a experiência coletiva vivida nas Cirandas da Vida, as situações-limite apontadas pela população, bem como os atos-limite

para os seus enfrentamentos, na perspectiva de construção do inédito-viável, como categorias de análise.

Por se tratar de uma proposta que se coloca do ponto de vista

popular, os pesquisadores-atores sociais, institucionais e comunitá-

rios vão construindo uma escrita coletiva, que parte de questões geradoras levantadas pelos diferentes atores da comunidade ampliada de pesquisa. A análise dos indicadores desvelou potencialidades locais

para a superação das situações-limite apontadas. Em quatro regiões

de Fortaleza, a violência aponta como uma situação-limite priorizada

pelo conjunto de atores e atrizes, revelando singularidades nesse

processo. Entre elas, podemos destacar o impacto da violência para a

juventude de algumas regiões onde a questão surge de forma bastante

contundente, apontando a necessidade de construção de atos-limite

para um coletivo de jovens que vivem em situação de vulnerabilidade

social mais profunda, tais como jovens em situação de conflito com a

lei e adolescentes e jovens em situação de exploração sexual.

Nesse sentido, as linguagens da arte (como teatro, hip-hop, artes

plásticas, entre outras) têm-se revelado espaços de criação, expressão, formação, problematização e transgressão/transfiguração da realidade, potencializando o envolvimento desses jovens em situação de vulnerabilidade social na construção de políticas. Isso ocorre no âmbito de espaços do orçamento participativo, a interface com as políticas de juventude, esporte e lazer, possibilitando a aproximação com a comunidade escolar e potencializando o envolvimento com processos formativos e a estruturação de redes de arte cultura e saúde.

Nesse processo, a arte para o conjunto dos atores infanto-juvenis

tem se revelado também o principal ato-limite para o enfrentamento

da questão. Estes reconhecem nessas expressões a possibilidade de

ressignificar espaços que vêm se constituindo cenários de produção de

violência na perspectiva de promover a vida, oportunizando a ocupa-

ção e reconfiguração desses espaços. A violência doméstica também

revela o enfoque de gênero, e as trilhas apontam atos-limite, tais como incubadoras femininas, feiras e outras estratégias de socioeconomia solidária, grupos de arte e processos formativos com este enfoque.

A dificuldade de acesso aos serviços de saúde, outra situação-limite

apontada, revelou na caminhada das Cirandas a necessidade de

fortalecer a humanização da atenção. As práticas populares de cuidado

e as linguagens da arte como o teatro, a música e a produção

de histórias em quadrinhos surgem como atos-limite possíveis sob

o protagonismo dos atores populares. Estes têm ocupado rodas de

gestão das unidades, apontando para a inclusão de outros olhares e

práticas no cotidiano do trabalho em saúde, a partir da terapia comunitária, da massoterapia e dos grupos de autoestima, entre outros.

Por fim, a moradia em área de risco trouxe a necessidade de problematizar as causas e os determinantes da ocupação do mangue

e seus impactos sobre as vidas dessas pessoas. No processo, outras

questões foram evidenciadas, tais como a ausência de políticas de geração de emprego e renda, além do confronto entre as leis de proteção ambiental e a realidade concreta de pessoas vivendo em ambientes hostis, onde a falta de oportunidades gera agressões ao ambiente. Por outro lado, a participação de atores institucionais dos vários setores da gestão municipal trouxe, para as pessoas que residem hoje no território, a possibilidade de escuta de suas necessidades e a conquista de algumas questões, tais como a coleta de lixo, a liberação de casas para a área de maior vulnerabilidade e a ação da equipe de saúde da família no território.

Outra questão fundamental do processo diz respeito à inclusão

dos cirandeiros na constituição do grupo-sujeito da Comunidade

Ampliada de Pesquisa (CAP), metodologia que conjuga, no mesmo

processo, a investigação e a ação. Tal estratégia viabiliza a compreensão da importância do encontro entre trabalhadores e pesquisadores para que construam um diálogo crítico entre os saberes fundados na experiência-vivência prática dos trabalhadores com os saberes “formais” de pesquisadores, configurando uma forma original de pesquisa-ação, possibilitando a coautoria de todos os atores na pesquisa.

Neste sentido, a produção de conhecimento é vista como ativa,

historicamente construída, contribuindo para a mudança do que está

instituído. Dessa forma, a expressividade da arte, no dialogismo vivido

na gestão das rodas da Ciranda, tem estimulado a criação de

laços solidários e comprometidos com a emancipação humana, vista

também como a chegada das potencialidades dos sujeitos, em suas

amplas dimensões.

Assim, a caminhada com as Cirandas da Vida vem desvelando

possíveis espaços-cenários de dialogicidade entre saberes diferenciados.

Bordando falas, narrativas, gestos, as diversas linguagens da arte

vão ajudando a construir novos sentidos, atos-limite no tempo de

agora. Buscam, ainda, fazer uma suspensão crítica sobre a realidade

social, tentando tecer conexões entre os microuniversos das comuni-

dades e dos sujeitos-atores/atrizes envolvidos(as) nas Cirandas, com

a complexidade do tecido social, na perspectiva de abrir caminhos

nos espaços da gestão do sistema municipal de saúde, constituindo o

inédito viável.

FREIRE, P. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do

oprimido. 6. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999.