OS ÓRFÃOS DO PODER
OS ÓRFÃOS DO PODER
*Rangel Alves da Costa
A orfandade envolve perda, desamparo, desproteção. Por definição, órfão é aquele que perdeu o pai ou a mãe, ou ainda aquele que se vê sem um protetor ou benfeitor que lhe assegurava amparo. Diz-se também daquele que não pode mais contar com algo que lhe era importante na existência. De qualquer modo, sempre implica em deixar de ter aquilo que lhe servia como defesa e proteção.
Crianças ficam órfãs, pessoas adultas também. Animais ficam órfãos, aquele que tanto ama também pode ficar desamparado de amor. Há o sertão órfão da chuva e povos inteiros órfãos de alimentos. O direito brasileiro procura dar proteção especial à criança órfã, através da nomeação de tutor ou outros provimentos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente e na lei processual. Mas indubitavelmente que existem outros tipos de orfandade que se torna em situação lastimável.
O adulto órfão do empreguismo, do cargo em comissão, do ofício da bajulação, da defesa intransigente de seus protetores. Ora, todo acolhimento a um órfão adulto, e qualificado como comissionado político, possui um preço a ser pago pelo agraciado. E muitas vezes muito alto. Não só terá que votar, que defender o seu padrinho e seu partido, como também exercer a descarada arte da bajulação e até ir à guerra quando preciso. Quantos comissionados não defendem a ferro e fogo seus padrinhos, não levantam bandeiras partidárias, não se fanatizam ao extremo?
Nas prefeituras municipais, por exemplo, qualquer cargozinho comissionado se transforma num lamber de botas desavergonhado. Não só há uma defesa intransigente dos malfeitos do prefeito como parte para a briga se alguém disser que ele é não é bonito. Corre-se risco de vida se falar na sua feiura. Mas basta que o poder vá chegando ao fim que logo a bajulação vai mudando de lado. Sabendo do quanto doloroso é ficar sem o salário ao final do mês, então vai se jogando nos braços daquele que esteja bem cotado nas pesquisas.
Cena triste é vê-lo desempregado, desacreditado, rejeitado pelo novo poder no comando. Sem poder manter o status de outrora, passa a amargar a condição de pessoa comum, sem dinheiro fácil, sem esbórnia, sem farras e gastanças desmedidas. E sem ter a quem adular, a quem lamber as botas, nem parece aquele pavoneado de outros tempos. E se coça e se atormenta, pois o puxa-saquismo é mal que não sai do ser com facilidade. Pensa e repensa e chega à conclusão que a única saída é submeter-se a qualquer preço. Sua sina é mesmo a da submissão.
Como dito, por não possuir estabilidade empregatícia alguma, o fanatizado ou bajulador pode perder seu fácil ganha-pão a qualquer momento, bastando que haja um revés na situação política, um término de mandado ou que se finde um ciclo de poder. Do mesmo modo acontece com os próprios políticos que vivem e sobrevivem de mandatos sucessivos, mas que sem eles se tornam em verdadeiros órfãos abandonados. O revés do poder: quem tem tudo às mãos, de repente passa a não ser ouvido sequer por um ex-adulador.
Não desejo falar da orfandade do poder pós-afastamento da preside Dilma. Creio que ninguém suporta mais o lengalenga, as defesas e as lamúrias que se instalaram no país nos últimos tempos. Mas ainda assim, impossível não citar, só como exemplo, as exonerações assinadas e o desemprego de milhares de comissionados governistas daqui em diante. Tal orfandade certamente continuará lutando pela retomada de suas benesses.
Para um político acostumado ao poder e ao mando, nada mais terrível e cruel que ficar distante da governança, das câmaras, dos centros de decisões. E também das facilidades financeiras advindas com os mandatos. Tal orfandade possui drásticas consequências. Nem sempre é possível um retorno vitorioso estando distante das verbas, dos benefícios, dos acertos sempre rentáveis. Seus eleitores tendem a outras escolhas, a optar por outras promessas ou facilidades. Não tem mais força suficiente para fazer indicações de apadrinhados nem encher folhas e mais folhas de cargos em comissão. Acostumado a ter tudo de mão beijada e receoso de tirar do cofre parte do juntado, acaba no ostracismo, no esquecimento.
Em tal contexto, ser um ex é ser um quase nada. Dependendo do ânimo e do fôlego, das benesses e das facilidades do poder, qual a verdadeira força de ex-vereador, de um ex-deputado, de um ex-governador, de um ex-ministro? Em relação ao poder de mando quando no poder político, quase nenhuma. Quando não mais consegue alçar ao mando ou ser indicado para função relevante, deve se contentar, quando muito, com o reconhecimento do que significou um dia. Mas nem sempre há garantia de qualquer tipo de recordação.
Diferente ocorre com o que nem político era, mas que se mantinha envolvido na política por conveniência, sempre em busca de escusos proveitos ou de salário garantido sem trabalhar. Baixa a voz, baixa o nível, muda de carro, reaprende a ser comum. E de vez em quando estende a mão a qualquer um em busca de ajuda.
Escritor
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