PADRE CÍCERO E FREI DAMIÃO: A SANTIFICAÇÃO PELO POVO
PADRE CÍCERO E FREI DAMIÃO: A SANTIFICAÇÃO PELO POVO
Rangel Alves da Costa*
Recentemente li na publicação O Catequista que a Igreja não faz santos, apenas os reconhece. E prossegue: Toda pessoa que está no céu é santa e, assim, há muitos santos anônimos. Porém, entre essas almas que alcançaram a glória, há aqueles que praticaram as virtudes cristãs de forma heroica, e por isso, durante sua vida e após a morte, são aclamados como santos pelo povo. Esses são fortes candidatos a serem canonizados pela Igreja, ou seja, inscritos no cânon, a lista de santos reconhecidos.
E quando a Igreja, por razões religiosas ou outros motivos, simplesmente silenciar ou prolongar o reconhecimento da santidade? Ainda assim haverá santidade, devoção e altar, ante a religiosidade e crença do povo que nesta fé se expressa. Para o povo humilde, geralmente vivendo em regiões interioranas distantes e onde a religiosidade é ostentada de tal modo que baliza a própria sobrevivência, santo é aquele que é acreditado com poder de ouvir e atender seus rogos e invocações.
Em tal contexto é que se insere a devoção do povo nordestino ao Padre Cícero e Frei Damião. E se perante os dois religiosos há reconhecimento de santidade, então não há como a Igreja impor limites ou negar seus poderes de intercessão nos clamores do povo. É uma crença que está arraigada de tal modo que já não se pode deixar de reconhecer que os santos escolhidos possuem altares nos céus, nos oratórios e nos corações. E por que não dentro da própria igreja, enquanto templo?
Outro dia, durante uma missa na catedral metropolitana de Aracaju, ouvi algo surpreendente do padre nos atos de celebração. O religioso, ao citar nomes de santos, mencionou claramente os nomes do Padre Cícero e do Frei Damião. E já pela segunda vez que eu ouvira os dois devocionados nordestinos sendo citados como verdadeiros santos perante um altar católico, não esquecendo que foi neste os seus púlpitos de pregação.
A surpresa, contudo, não pela menção daqueles que desde muito já foram santificados, e sim pelo reconhecimento advindo da própria Igreja e de um padre que decidiu expressar aquilo que muitos outros insistem em silenciar. Mesmo sabendo que é o povo quem escolhe seus santos de devoção - mesmo não havendo reconhecimento oficial - e que tal escolha implica em fé e abnegação, mesmo assim omite-se em acatar o desejo popular. E não é um bom caminho, diante dos novos credos surgidos, ignorar tamanha devoção.
Também estranho que assim tivesse acontecido porque não há santidade reconhecida dos dois religiosos pela Santa Sé. As virtudes são muitas, os milagres também, bastando sentir na cura do povo o remédio potente da fé, mas ainda não devidamente apreciados pelo Vaticano e sua Congregação da Causa dos Santos. Do mesmo modo, diferentemente do que ocorre nos lares e oratórios sertanejos e nordestinos, as imagens dos dois não devem figurar nos altares ao lado de outras santidades.
Na verdade, a falta de reconhecimento formal da igreja, através do processo de beatificação, não impede a consideração de santidade àqueles cujas virtudes e obediência aos ensinamentos de Deus, dignificam o nome de santo. E muitas são as santidades anônimas que são celebradas no Dia de Todos os Santos. Mas não se pode dizer que os dois santos nordestinos são anônimos ou de celebração restrita a grupos devotos, pois a veneração se estende por toda a região, entre todos os povos, e além-fronteiras. Mas por que o padre sergipano menciona Padre Cícero e Frei Damião como se santos fossem?
Simplesmente porque são santos, verdadeiramente santos. E de uma santidade nascida da fé inconteste, da fé brotada na religiosidade também inconteste. O Padre Cícero é cada vez mais cultuado e aclamado pelos milagres que curam as almas e as feridas de um povo em desvalia, ou mesmo de abastados que se ajoelham a seus pés em busca de proteção e salvação. E quando o povo se predispõe a acreditar não tem mesmo jeito, pois a benção está feita, a cura conseguida e a vida entregue aos cuidados do santo do Juazeiro. Desde o primeiro milagre, quando a hóstia se transformou em sangue na boca da beata, muitos outros milagres são reputados ao protetor dos nordestinos.
Outro que foi se tornando cada vez mais reverenciado como santo foi o Frei Damião, o capuchinho que levou grande parte da vida realizando santas missões pelos sertões nordestinos, pregando, orando e confortando pobres e enfermos. Ainda em vida já era profundamente respeitado e adorado, tido ainda como responsável por diversas curas milagrosas. E depois de sua morte, no ano de 1997, na mais pura e inabalável fé nordestina, o adorado capuchinho tornou-se mais um santo sertanejo.
Todos os anos, principalmente no mês de setembro, romeiros e peregrinos seguem rumo ao Juazeiro do Norte para celebrar a memória, pedir proteção e agradecer as graças concedidas pelo seu Padim Ciço. Entoando cantos, lá chegam os romeiros em busca da grande estátua do seu protetor, assistindo missa e espalhando pelas salas dos ex-votos fotografias, moldes talhados de partes do corpo e tudo aquilo que lembre uma enfermidade que foi curada. A cura pela fé, através da intercessão do santo padre.
Recentemente, o Vaticano retomou o processo de canonização do santo do Juazeiro. Será apenas um reconhecimento oficial, pois a santidade já foi proclamada pelo povo. E aos dois santos nordestinos.
Poeta e cronista
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