HOMEM: O MAU SELVAGEM
HOMEM: O MAU SELVAGEM
Rangel Alves da Costa*
Os programas televisivos abordam muito sobre os animais, seus comportamentos, seus modos de ação, suas características pessoais e seus relacionamentos com outros da mesma e de outras espécies.
Geralmente mostram acerca da vida dos jacarés e crocodilos, das baleias e tubarões, das cobras e serpentes, dos peixes e dos golfinhos, dos búfalos e gnus, das raposas e hienas, dos tigres e dos leões, dentre tantos outros.
Mas há um animal de suma importância que nunca é abordado em profundidade, e por isso mesmo se tornando cada vez mais num completo desconhecido: o homem. Mas, afinal, quem é e o que faz, e como age este animal?
As opiniões divergem acerca de sua natureza. Para uns é um ser cujo progresso, ao invés de humanização, redundou em bestialização. Para outros é uma fera que jamais conseguiu conviver com os da mesma espécie. E ainda outros comungam da ideia de ser o homem uma experiência malsucedida do criador.
Raramente se encontra alguma definição sobre o homem que lhe atenue os instintos inumanos. O que se tem são pretensões fantasiosas de um ser bom por natureza, porém transformado pelo meio. O que significa a mesma visão negativa, pois é ele que faz e vai moldando o seu meio.
Coerente a máxima “Homo lupus homini”, onde Thomas Hobbes sintetiza o homem como animal de si mesmo. Ou seja, o homem é o maior inimigo do próprio homem. E a máxima coerência em tal pensamento. Na busca e na defesa de seus interesses egoísticos, o homem não tem medida.
Em toda a história e por todo lugar o homem tem se mostrado lobo do próprio homem, não só de si mesmo como de sua espécie, e sem descrever o que faz perante as outras espécies de animais. Enquanto lobo continua selvagem, perigoso, jamais confiável. E nas atitudes tomadas a comprovação de seu permanente estado de selvageria.
Por mais que se deseje proporcionar ao homem uma visão otimista, fraternal e mesmo humana, tal fato é dificultado pelos exemplos dados. Recebeu o mundo em suas mãos, granjeou a dádiva da inteligência para progredir, para transformar sua existência em algo proveitoso, mas raramente reconheceu sua potencialidade para o bem.
O mal como opção é mais que perceptível. Ademais, não se contentando em destruir, vai se esmerando na construção de armas contra sua própria vida. Neste passo a certeza maior: O egoísmo é tamanho que semeia para si mesmo a destruição. E o que esperar de um homem assim perante a vida em sociedade, perante o mundo, perante tudo?
Segundo os livros, o homem é um ser humano, da espécie animal, mamífero vertebrado, da ordem dos primatas. Afirma-o ainda como um ser racional, consciente, sobressaindo-se, pelas suas capacidades e habilidades, às demais espécies.
Mas será assim mesmo? A que serve a racionalidade humana, a consciência e o poder de descortino humano? Suas capacidades e habilidades parecem também não terem servido às boas práticas. Pelo contrário, a inteligência do homem vai evoluindo em práticas que demonstram não passar de um reles ignorante.
Não seria ignorância desconhecer o mal causado pela sua ação? Não seria ignorância persistir no erro e progredir em desacertos ainda maiores? Ignorância não é somente não conhecer, mas também desconhecer aquilo que tinha obrigação de discernir, seja porque afeta a vida ou porque reflete como mal no espelho do mundo.
Alguém já asseverou, e com fundamento, que dentre os animais o mais irracional é o homem. Ora, considerando-se a irracionalidade como ausência de raciocínio útil, como ação baseada na casualidade e sem observância das consequências, então aí se avistará o homem no seu estado mais conhecido, que é o da imperfeição.
Alguém também já assegurou ser o homem, e de longe, o mais perigoso dentre todos os animais. O bote peçonhento da cobra, o ataque mortal do felino, a abocanhada certeira do tubarão, nada disso se compara ao que o homem cotidianamente faz: apenas ferir por ferir.
Os outros animais geralmente atacam para se defender, porque tiveram seus territórios invadidos, por estarem famintos ou por se sentirem ameaçados, mas o homem não, pois age pela simples e deliberada violência, seja ela moral, psíquica, relacional ou corporal.
Afinal, quem é o verdadeiro bicho? Afirma-se ser bicho o animal irracional, daí considerar como bichos a raposa, o lobo, o urso, o falcão e tantos outros da natureza. Mas nenhum desses é, conscientemente, arrogante, intratável, falso, traiçoeiro, egoísta, vingativo e bestial. Somente o homem e seu instinto inconciliável com o mundo. Então, qual é o verdadeiro bicho?
Na selva há selvageria desenfreada, pois se usa da violência como forma instintiva de sobrevivência. Mas nada justifica que o meio social seja ainda pior, seja infinitamente mais violento e brutal. E tudo pelas mãos do homem. Daí chegar-se a uma simples conclusão: o selvagem é outro.
Poeta e cronista
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