A prefeita de Bom Jardim e os prefeitos de outros jardins tão belos
A prefeita de Bom Jardim e os prefeitos de outros jardins tão belos
Rangel Alves da Costa*
A prefeita Lidiane Leite, de Bom Jardim, no estado do Maranhão, está sendo acusada de desvio de recursos federais de escolas municipais. Dentre as acusações que lhe recaem, a de desviar recursos do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), do Pnae (Programa Nacional de Alimentação Escolar), da reforma das escolas e das refeições destinadas aos estudantes. E ainda a desavergonhada ostentação com o uso indevido do dinheiro público.
Bom Jardim é o retrato da pobreza no também desvalido estado do Maranhão. Contudo, não impossível de ser administrado com os recursos disponíveis. Bastaria que a gestora municipal desse a devida destinação às verbas designadas a setores específicos, principalmente na área da educação. Ora, diferente de outros tempos, onde o Fundo de Participação dos Municípios praticamente abrangia todas as verbas municipais, atualmente os recursos já chegam com destinações específicas. O administrador não pode, a seu bel-prazer, desviar recursos de um setor para outro, muito menos se arvorar de dono de tais verbas. Estará incorrendo em crime.
Mas é isto que acontece, desvios de toda sorte. E também a tão usual e contumaz fraude em licitações, uma prática criminosa que ainda hoje sustenta uma verdadeira gangue de prefeitos e apadrinhados. Enquanto a população do município padecia com todo tipo de descaso administrativo, as escolas mais pareciam escombros e os alunos e professores relegados ao esquecimento, principalmente por falta de merenda e material escolar, a prefeita Lidiane se preocupava somente em postar ostentação nas redes sociais. E tudo, logicamente, com o dinheiro desviado, cavilosamente roubado das obras, das escolas, da merenda escolar. A esperteza fez sumir alguns milhões dos cofres públicos.
Mas nada disso é fato novo, nem em Bom Jardim nem na maioria dos municípios brasileiros. E muitos municípios sergipanos também podem ser incluídos em tal contexto. O fato novo diz respeito somente à fuga da prefeita para não ser presa. Com efeito, contra ela foi expedido mandado de prisão preventiva. E surpresa ainda maior seria se uma enxurrada de mandados de prisões fosse expedida contra atuais e ex-prefeitos, secretários e outros servidores que dividem as chaves do cofre. Não há que se falar em impedimento de prisão de prefeito no exercício de mandato, pois deverá ir para a cadeia todas as vezes que a persecução criminal assim o exigir.
E foi isto que aconteceu com a jovem prefeita de Bom Jardim. Logo cedo aprendeu – ou foi ensinada – a roubar e deu no que. A prisão decretada, a polícia no encalço e a fuga. Ao invés de cuidar de seu empobrecido município, em dotar a municipalidade ao menos de uma mínima estrutura sanitária, habitacional, educacional e de saúde, preferiu fazer a festa da roubalheira. E um administrador que tira merenda de criança, deixa escola caindo aos pedaços, o município abandonado, e utiliza o dinheiro público para comprar carros luxuosos e tantos outros bens, não merece mesmo outro destino: cadeia. Mas cadê os outros?
Cadê os outros gestores municipais que roubam deslavadamente e sempre permanecem na impunidade? Cadê os secretários e apadrinhados que ostentam riquezas incompatíveis com os seus salários? Tal festança está por todo lugar, mas não provoca um dilúvio de prisões por que a justiça não age com a mesma rapidez com que estes lançam mão do dinheiro público. A roubalheira é tão grande, as maquinações tão ardilosas, contínua e impunemente, que nem eles mesmos se importam mais que sejam chamados de ladrões, corruptos, larápios do dinheiro público. É o sentimento de impunidade que os torna cada vez mais sedentos e mais desonestos.
Prefeituras existem que são verdadeiras organizações criminosas nas mãos de gestores mestres na rapinagem. Cosa Nostra seria um termo mais apropriado. Ao invés de administrar com decência e honestidade, os gestores transformam as prefeituras em grandes máfias, onde o capo é o prefeito e alguns escolhidos servem como sottocapos, consiglieres e soldatos. Todos ladrões. Formam uma famiglia cujos sustentáculos de roubalheira estão nas licitações viciadas, no patrocínio de shows, na transformação da merenda escolar em bolacha e ki-suco, nos desvios de verbas para contas bancárias particulares, dentre outras práticas insidiosas.
Em Sergipe, estado pequeno onde o ouvi dizer chega acompanhado da confirmação visual, é muito fácil perceber a ostentação, o enriquecimento ilícito e a riqueza camuflada, repentinamente surgidos nas pessoas que fazem parte das administrações municipais, incluindo familiares dos gestores. Prefeitos que chegam empobrecidos ou assalariados, não dura muito e já começam a exibir um patrimônio verdadeiramente incompatível. Familiares que mal tinham onde morar e de repente surgem com carros de luxo, caminhões, construções portentosas e desmedidos poderes. Assim também com secretários, tesoureiros, procuradores.
Diante de tamanha organização criminosa que se estende pelos municípios, dá até pena da jovem prefeita de Bom Jardim ser a escolhida para exemplificar o despertar da justiça. Mesmo já escolada na roubalheira, ainda assim é fichinha diante de velhos lobos que sugam os cofres públicos até a última gota. Daí que o Bom Jardim de Lidiane é apenas um jardim entristecido diante dos paraísos que sustentam os mafiosos nas prefeituras municipais.
Poeta e cronista
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