EIS O HOMEM!

EIS O HOMEM!

Rangel Alves da Costa*

Não por culpa do criador, mas da criatura, impossível não chegar a uma lamentável e triste constatação: O mundo não deu certo. Absolutamente não deu. Está tudo pelo avesso, revirado, desconcertado. O que deveria, ao longo do tempo e do desenvolvimento da humanidade, ir simplesmente progredindo, eis que acaba se transformando num oposto obscuro demais e mostrando as feições que jamais se esperaria no mundo moldado pela ciência e seu moderno habitante.

Parece mesmo que as lições do passado a nada serviram. E não foram poucos os exemplos onde o homem foi desacreditado pela sua brutalidade, arrogância, insensibilidade. Os governos tiranos passaram a ser vistos como exemplos a serem repugnados. Os justiçamentos passaram a ser vistos como ímpetos de um povo sem ordem e sem lei. As arbitrariedades fizeram surgir aparatos legais protetivos e as relações foram normatizadas. Mas hoje se indaga acerca da serventia de tudo isso, principalmente quando se observa uma assustadora regressão humana.

Os livros de história trazem relatos aterrorizantes das violências e crueldades de outros tempos. Os bárbaros passando a fio de espada quem encontrassem pela frente, conquistadores sangrentos e suas investidas impiedosas, guerras de conquistas que dizimavam civilizações inteiras. E ainda as crueldades da escravidão, as perseguições e punições por motivos religiosos, a proibição de não sonhar nem clamar por liberdade sob pena de morte, as grandes fogueiras da intolerância que tornavam em cinzas os justos clamores. Hoje tudo isso causa repulsa, porém sem evitar que chamas de ódio ressurjam debaixo das cinzas.

O mundo foi feito para o aperfeiçoamento. O que foi criado serviu apenas como base para melhorias constantes, pois sempre pressupondo a capacidade humana para fazer surgir o melhor para a sua e as demais espécies. E efetivamente progrediu, tanto no bem como no mal. Contudo, a partir do instante que o homem se sentiu dono do mundo e não apenas habitante, outra coisa não fez senão exercitar sua capacidade engenhosa de usurpação e destruição. Então tudo foi sendo exaustivamente revirado, transformado em caos.

Como uma casa que desaba depois de tanto ser negligentemente transformada, certamente que o mundo também não suportará as aviltantes irresponsabilidades de seu habitante maior. Mas são desalentadoras as opções para evitar o pior. Ou terá que ser recriado, colocando no lugar do homem outra espécie mais positivamente virtuosa, ou simplesmente deixar que se acabe pelas próprias mãos do malfeitor, e de forma abjeta, numa devassidão ética, moral, pessoal e institucional jamais imaginada.

Ao criar o mundo e os seres e espécies que nele deveriam habitar, Deus confiou ao homem a primazia sobre tudo e todos, garantindo-lhe, através da racionalidade, o senso necessário ao reconhecimento do bem, do justo, da união, do compartilhamento. Com a confiança depositada, certamente que o criador esperava que o homem pudesse ao menos retribuir cumprindo sua missão. E uma singela incumbência: fazer florescer sobra a terra a dignidade da vida.

Ledo engano do Criador, infelizmente. O homem não só retribui com ingratidão o poder transformador que lhe foi concedido como tenta, a todo custo, negar a primazia divina. Ora, quer ser seu próprio deus, ser seu soberano, ser o dono próprio destino. Só que não mede as consequências das arbitrariedades praticadas para conseguir seus nefastos intentos. E vai simplesmente passando por cima de tudo, de si mesmo e do que ainda lhe reste como espírito e alma, e mais ainda do próximo. Este não possui nenhuma valia àquele que cuja única valorização é o poder. Poder ter mais, poder conquistar mais, poder somar, poder sobre tudo. E não pensa duas vezes em destruir aquele que sirva como empecilho à sua sanha ambiciosa.

Mas nem só de ambição o homem progride na sede. Sua ganância possui muitas vertentes. Na sua concepção nunca há lugar para semear coisas boas, positivas, que reflitam no próximo como gesto de fraternidade, mas somente para disseminar aquilo que lhe permita ser visto como poderoso. Mas como é frágil, fraco, que jamais se sustenta em si mesmo, então faz da arrogância, da violência e da iniquidade, uma redoma para se esconder no seu falso império. De gente assim o mundo está cheio.

A verdade é que tudo vai na contramão da sensatez. Famílias cujos parentes não se reconhecem, filhos que não obedecem aos pais, genitores que negligenciam a criação desde os primeiros anos de vida. Matrimônios imperfeitos e ficções novelescas substituindo a vida real, os modismos ensinando as imprestabilidades, e as pessoas apenas se deixando levar pelas aparências. Enquanto isso a fé se transforma em espada sangrenta e a religião em ceifa de vida. O novo é apenas o aprimoramento do ódio, do delírio coletivo, da intolerância, do medo.

Sim, o homem é o espelho de Deus. E assim o criador o concebeu. Mas o que fazer quando aquele que foi dada tamanha dádiva prefere o lado obscuro da vida? Mas nunca será demasiado tarde para se espelhar. E compreender que ainda há uma face de luz que continua iluminando.

Poeta e cronista

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