"JOGOS da VIDA" (Lya Luft)
"Não é muito difícil ter filho com um homem
casado que não queira se separar, com um
solteiro não disposto a se comprometer ou pelo
simples desejo de prolongar um casamento falido"
Não tenho o menor interesse por escândalos públicos ou privados (sobre os quais nunca se sabe a verdade toda), presentes ou passados – há coisas bem mais agradáveis, até fascinantes, a observar na condição humana com suas glórias e suas trapalhadas. O que escrevo hoje nasce do muito refletir sobre a questão dos gêneros masculino e feminino, num eterno enfrentamento, que pode ser dança de sedução ou feroz batalha.
Não precisam ser as bruxas queimadas nas fogueiras católicas da Idade Média ou as curandeiras temidas em tempos primitivos; não precisam ser poderosas empresárias nem endeusadas modelos, jovens atrizes ou saltitantes socialites: qualquer mulher tem poderes. São bons ou maus. Alguns elas desconhecem; outros, manejam com perfídia. Ter um filho que o homem não queria, não planejava nem sonhava (ou, se for muito jovem, não estava preparado para assumir) é um dos mais negativos.
Produzir filhos, não por vontade amorosa de homem e mulher, mas para submeter o pai a uma responsabilidade, um elo e uma ameaça, vem precedido de frases como "Claro que estou me cuidando. Claro que boto o DIU, claro que tomo a pílula". E depois: "A pílula deve ter falhado, amorzinho, olhaí, surpresa, você vai ser papai". Por isso se desfazem casamentos, trocam-se acusações e sofrem-se vexames, a vida muda, nem sempre para melhor. Tudo isso porque, em determinada hora de paixão ou diversão, a mulher, sabedora de que está pronta para isso, conhecedora ainda que inconsciente das artimanhas de seu corpo, aproveita a cegueira masculina e se abre para ser fecundada.
Não me digam que o prazer nos emburrece totalmente, que todos os homens são responsáveis e todas as mulheres leais. Não me digam que os homens não conseguem usar camisinha, que as mulheres ignoram contraceptivos ou desconhecem seu período fértil. E como exatamente nesse período, por sabedoria da mãe natureza, a mulher é ainda mais desejável. Não é difícil demais ter filho com um homem casado que não queira se separar, um solteiro não disposto a se comprometer – pelo menos não com aquela mulher – ou pelo desejo de prolongar um casamento falido. Isso faz da criança um cofre (grande ou pequeno), um seguro e uma arma. Não é uma regra: a imensa maioria dos filhos não nasce assim, mas acontece.
Todos conhecemos mais de uma mulher que, vendo ameaçada sua posição de "esposa" ou de amante bem tratada (ou jovenzinha que quer casar com um moço hesitante, pensando que todos os seus problemas serão resolvidos), se faz mãe, o que pode ser uma assustadora imagem para muitos varões nossos. Quanto dinheiro, quanta culpa, quanto erro, quanta infelicidade assim se gera!
Sobre filhos indesejados, diziam minhas remotas avós: "Os homens são muito bobos nesses assuntos, deixam-se enganar por qualquer espertalhona". Num barraco, numa mansão ou num hotel de luxo, fazem-se crianças que servem aos interesses da mãe. Se nem todas as mães solteiras ou mães de filhos de fim de casamento são espertas, nem todas são coitadas. Aliás, acho pouco coitadas as mulheres em sua maioria: submissas muitas são, nem sempre por fragilidade, no jogo que também existe em qualquer relação, nem sempre um jogo positivo. Às vezes algum interesse mais alto aí se levanta: escapar da vida com os pais na ilusão de uma liberdade maior, manter o status de casada que para algumas é importante, adquirir o status de mãe, manter "unida" uma família neurótica e hostil, garantir a pensão ou ameaçar com segredos de alcova, que tanto susto pregaram e tanto mal fizeram a muito incauto dom-juan. O lema nesses casos é "Prenda seu homem tendo um filho": a criança é o que menos importa.
Não é um poder muito nobre esse, não é uma postura muito elegante, e é uma partezinha do poder feminino de que se fala pouco. Penso que um duplo arquétipo muito forte de mulher e de mãe leva tantos homens a cair no conto do filho-surpresa. No imaginário de cada homem, a figura materna ergue um dedo ameaçador, e a feminina abre pernas sedutoras. Ah, o poço sem fundo, a fenda fascinante que perturbou tantas ingênuas ou brilhantes cabeças, fez dobrar o joelho os mais simplórios e os mais ilustres, deixando-os na condição de réus.
Nunca achei que a natureza fosse sábia o tempo todo. Às vezes nos prega peças, às vezes é cruel, às vezes parece obtusa e às vezes há de estar dando risadinhas, balançando a cabeça como uma velhíssima avó diante das trapalhadas juvenis da estranha espécie – que somos nós.
(*) Artigo da LYA LUFT (na coluna Ponto de Vista, da Revista Veja, edição nº 2013, de 20 de junho de 2007, pág. 22), em transcrição literal.