SERRA DOS PILÕES-UM ROMANCE DE GRANDEZA NACIONAL

SERRA DOS PILÕES : UM ROMANCE DE GRANDEZA NACIONAL

 

* CLÓVIS MOURA

 

O romance regional e a ficção regionalista de um modo geral vêm se destacando e abordando problemas cada vez mais complexos da vida social. Tolstoi dizia que se você quizer ser universal volte-se para a sua aldeia. É através desta volta ao regional, à vida microanalisada que o romancista ou o contista de talento consegue captar as paixões. Os dramas e as tragédias de uma comunidade. É através da análise do particular que o autor consegue desvendar as inquietações existenciais e os conflitos sociais do geral.

No Brasil podemos dizer a ficção regional teve início com uma série de obras frustras. Uma literatura sem verticalidade nos dramas retratados. No particular basta nos lembrarmos de Inocência de Taunay. O sertanejo de José de Alencar ou pelo sertão de Afonso Arinos. Posteriormente, especialmente após a chamada geração de ’30 esse tipo de literatura se desenvolveu e conseguiu maturidade com os nomes, entre outros, de Graciliano Ramos , Guimarães Rosa , Osório Alves de Castro,Acioly Lopes , Jorge Amado, José Lins do Rego, além da obra atípica de Hugo de Carvalho Ramos e o caso excepcional de Simões Lopes Neto.

A ficção regional exige muito mais do que o simples conhecimento da Geografia, nomes de rios, montanhas, fauna , flora, (bichos e plantas) além da forma particular dos falares regionais. Exige a criação literária e todos esses elementos capazes de articular uma metalinguagem organicamente adaptada à elaboração da peça ficcional.

E é exatamente o que distingue o romance Serra dos pilões do escritor Moura Lima das muitas tentativas frustadas da ficção regional. O autor reelabora , quase sempre com êxito, as particularidades da paisagem, da natureza e do homem numa unidade literária que dá como resultado um romance que expressa e ao mesmo tempo transfigura a região, projetando-se como obra na qual personagens e sobretudo a ação humana dinamisam-se harmonicamente.

Isto porque o contraponto dramático que une toda a ação do romance é a violência no seu sentido primário e imediato. Os romances que retratam o comportamento dos grupos que habitam as zonas pioneiras , nas quais os espaços sociais ainda não foram ocupados e devem ser conquistados para se estabelecer um nível de hierarquia (poder) posterior institucionalizada é a violência através da qual os grupos e os indivíduos conseguem se reagrupar socialmente e socializar os seus níveis de poder. E ela (a violência ) vem com todas as formas possíveis para estabelecer os reajustes posteriores.

Abílio Batata, de um lado, e o Capitão Labareda, assecla de Cipriano, de outro, formam os dois polos contraditórios que dão movimento ao romance . Neles se agregam os demais personagens e é através dos papéis sociais dos dois que os outros personagens se movimentam e adquirem existência. A tragédia da Vila de Pedro Afonso é o episódio que deflagra a violência, elabora as suas consequência e cria ( ou recria )as normas de comportamento dos demais personagens. E esses personagens são mais ou menos elaborados pelo autor no sentido de proporcionarem ao leitor os sentimentos mais diversos e significativos. Queremos, aqui , destacar dois personagens que parecem ser os mais vivos e significativos simbólicamente do painel criado pelo autor : Corta Cabeça e Boca de Sino, este pela radicalidade da violência , ambos vivendo, de forma contraditória a ação do romance. Corta Cabeça é o mais importante para que se compreenda simbólica e dramaticamente a filosofia do romance. Isto porque ele é a contrafacção da violência e se destaca como o centro humano impulsionador do comportamento dos demais para o bem ou para o mal (violência ou contraviolência ). O personagem Corta Cabeça é o responsável pelos momentos mais dramáticos do livro. O primeiro, logo no início, quando comanda os rituais funerários do jagunço Pantaleão e o segundo quando participa dos rituais iniciáticos da cigana velha e mágica do acampamento invadido pôr Jagunços do Capitão Labareda. Nestes dois episódios, antológicos, o autor consegue um poder de transfiguração e dramaticidade dignos dos melhores momentos da ficção nacional.

Por outro lado, o ritmo da ação do romance vai num crescendo à medida que novos personagens vão surgindo e o objetivo final do Capitão Labareda vai ficando cada vez mais claro . E uma sucessão de acontecimentos e atos de violência que movimentam o romance , através de uma pontuação dramática precisa até o seu final.

O desenvolvimento da ação é trabalhado no livro pôr vários recursos técnicos , inclusive fazendo com que ele se expresse através da narrativa, pôr parte de vários personagens, de recordações, de fatos passados, levando o leitor a reconstruir paulatinamente a realidade que vai se concretizando não de forma linear, mas de pedaços da memória que vão se juntando até se transformarem em um painel unitário no qual todos os elementos se completam.

É, portanto, um livro duro na sua temática e ao menos tempo inovador tecnicamente . Tem, por isto mesmo, enclaves de ternura e romantismo dentro da atmosfera dramática do tema. Basta lembrar o episódio de Gavião com a ciganinha Lorena, quando os sentimentos líricos se manisfestam tão espontaneamente e o romance do Capitão Labareda com D. Bela para se ver como o Autor soube costurar os sentimentos dos seus personagens fazendo-os não simples autômatos, mas homens e mulheres com interioridade, paixões e comportamento humanos e por isto mesmo imprevisíveis .

Este romance de Moura Lima projeta-se como uma unidade literária de valor destacado não apenas como unidade computável na produção da literatura da região, mas,também , como obra que pelas suas qualidades literárias irá compor o elenco dos trabalhos mais significativos da nossa novelística brasileira.

 

* Clóvis Moura é sociológo, ensaísta, escritor, jornalista, crítico literário, professor catedrático da USP e presidente do Instituto Brasileiro de Estudos Africanista da Universidade de São Paulo, bem como coordena o Projeto Arqueológico Palmares, em Alagoas, patrocinado pela Universidade Estadual de Illinois, EUA.

Autor dos livros : Rebelião da Senzala e Introdução ao pensamento de Euclides da Cunha, dentre outros

 

 

 

 

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Clóves Moura
Enviado por MOURA LIMA em 07/06/2007
Reeditado em 29/11/2021
Código do texto: T517487
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