PRESENTE E PASSADO: O NECESSÁRIO CONVÍVIO
PRESENTE E PASSADO: O NECESSÁRIO CONVÍVIO
Rangel Alves da Costa*
Que ninguém imagine ser filho desse tempo, do mundo tecnológico, da modernidade. Um olhar atento à realidade, certamente mostrará que tudo ainda guarda resquícios primitivos, dos tempos do fogo e da selvageria. Aliás, o primitivismo bárbaro apenas foi se aperfeiçoando no homem. As conquistas e os novos experimentos parecem ser tido pouquíssimas serventias.
Na verdade, o tempo do homem é diferente do tempo do mundo. Cada ser humano vive num tempo delimitado, enquanto o mundo é um percurso de tempo que se soma em linha reta. Para frente, porém sem se tornar independente do tempo passado, desde as primeiras lições. Como numa linha de marco inicial, nenhum ponto ao longo da linha deve ser desconsiderado. Qualquer ou esquecimento deixará o todo incompreendido.
Com relação ao tempo os conceitos não dizem quase nada. O presente, por exemplo, não é apenas o tempo atual, o que se avista ou acontece agora, o que existe ou ocorre no momento. O passado também. Este não se resume a ser o tempo anterior ao presente e tudo o que nele ocorreu. Também não é o que já está envelhecido, esquecido, objeto apenas da história ou relembranças.
Presente e passado significam muito mais, principalmente se houver consideração que não se pode delimitar períodos de forma estanque, como se o hoje fosse algo totalmente diferente do ontem. É correto afirmar, então, que o novo e o velho fazem parte de um mesmo percurso, sendo que o atual, por mais diferenciado que seja, nada mais é do que o velho aperfeiçoado.
Sendo aperfeiçoamento, logicamente o novo não surge ao acaso, num instante de laboratório, mas após experimentar do velho todo o alicerce para que se torne possível. Em tudo acontece assim. Desse modo, a modernidade ou a última e mais avançada tecnologia possui suas raízes noutros marcos do passado. Basta imaginar os passos das tecnologias primitivas ao mundo atual. Tudo, de certo modo, já preexistente.
Nesse passo, algumas situações podem ser citadas para que haja maior percepção do quanto o ontem, ou o passado enfim, continuará de suma importância nos novos tempos. Desde as transformações da vida urbana, os relacionamentos sociais, os modos de vida e os conceitos de família, dentre outros aspectos, tudo se mantém num pêndulo entre o que foi e o que é. Muitas vezes como lições, outras vezes como impensada ruptura a ser refeita depois.
A história em si não sobreviveria sem o passado. São os feitos idos que são retomados como objeto de análise. Mas assim acontece não apenas porque o velho seja interessante, curioso ou mantenha significação, mas porque o presente necessita de sua lição. Neste sentido é que se diz que o conhecimento do passado evita o erro no presente e serve como precaução para futuras ações.
Não raro ocorrer do encontro com o presente na leitura de um livro antigo. Muitas vezes, a ficção distantemente imaginada – que naquele momento da escrita e leitura pareciam coisas impossíveis de acontecer – somente agora acaba sendo confirmada. Os livros de George Wells, por exemplo, perecem ter sido escritos com os olhos no agora. Aquelas teorias estranhas e tidas como extravagantes se tornaram tão presentes muitos anos depois que já se tem como superadas ante as possibilidades tecnológicas.
Muitas coisas antigas existem que ainda dão sustentação ao presente e certamente socorrerão o futuro. Os conceitos filosóficos ainda não foram alterados e nem serão, pois as indagações do passado serão as mesmas da vida inteira, em busca de respostas segundo o estágio da humanidade. A religião também se sustenta nos mais antigos ensinamentos e mesmo as teorias modernas se voltam para os seus fundamentos. As bases do Estado moderno, as premissas da liberdade como bem fundamental, a divisão dos poderes e os fundamentos constitucionais das nações, dentre outros aspectos, remontam ao passado distante. E nem por isso deixaram de ser essenciais no mundo moderno.
A própria sociedade busca exemplos antigos quando se vê diante de ameaças. A defesa incansável da liberdade de expressão e de crença, dos direitos humanos fundamentais e de participação, tem sempre por base as lições do passado. A maioria dos povos não aceita mais a escravização de pessoas, a submissão de raças, a chibata ou açoite. A inquisição abriu os olhos de uma imensa maioria que não mais tolera qualquer tipo de perseguição pela fé, crença ou religião. Cada indivíduo que ter respeitado o seu direito de escolher e de participar na vida e destino do escolhido.
Assim caminha a humanidade, como bem relembra a sentença. Daqui a mil anos – acaso o homem já não tenha destruído totalmente o mundo e a si mesmo – ainda estarão presentes as feições do agora. E o hoje ainda enlaçado ao ontem. E assim até que o pó dos tempos não tenha mais o que apenas encobrir.
Poeta e cronista
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