Os elefantes de Aníbal e o fardo que carregamos
Os elefantes de Aníbal e o fardo que carregamos
Rangel Alves da Costa*
Relendo sobre as estratégias de guerra de Aníbal contra os romanos, tendo como suporte tático de suas forças uma manada de elefantes, eis que me veio à mente uma inusitada comparação: também levamos conosco o peso de verdadeiros elefantes. E igualmente a Aníbal – como se verá adiante -, de repente passamos a sentir que, ao invés de demonstração de força e poder, aqueles animais se tornam em desastrosas inconveniências.
Pois bem, conta a história que Aníbal (Cartago, 248 a.C. - Bitínia, 183 a.C.) foi um general cartaginês que prometera a seu pai no leito de morte que tudo faria para aniquilar o império romano, então senhor absoluto do mediterrâneo e uma constante ameaça às demais nações. Levando a cabo seu plano, formou um imenso exército e também incluiu nas suas forças trinta e sete elefantes. Teria início a Segunda Guerra Púnica (218 a.C. - 201 a.C.)
Filho de Aníbal Barca, general vencido por Roma na Primeira Guerra Púnica, Aníbal derrotou os romanos em diversos combates, porém, mesmo na península itálica por mais de dez anos, jamais conseguiu submeter seu inimigo completamente. Quer dizer, venceu o oponente em diversas batalhas, porém não conseguiu tornar-se vitorioso. E assim porque, depois de tanto lutar em região tão hostil, seu exército já estava em frangalhos quando as legiões romanas avançaram para o cerco final.
Dizem os historiadores que tanto tempo de cerco, passando por cumes gelados e regiões praticamente impenetráveis, acabou fragilizando toda a força do grande general cartaginês. Contudo, nada igual aos problemas causados por aqueles que seriam utilizados como potentes e inesperadas armas de ataque: os elefantes. Os imensos paquidermes, mesmo treinados para guerra, aos poucos foram se transformando num verdadeiro empecilho aos planos de guerra.
Estrategista, valente e destemido comandante, Aníbal foi conseguindo, até onde pôde, manter elevada a moral de suas tropas diante das intempéries, mas não obteve o mesmo resultado com aqueles imensos soldados. Era uma luta titânica para mantê-los obedientes diante do frio gelado, da falta de alimentos, subindo e descendo desfiladeiros. De vez em quando se voltavam sobre as próprias tropas e pisoteavam os guerreiros. Então Aníbal se viu num verdadeiro dilema.
Ora, era do seu conhecimento que Alexandre, o Grande, já havia alcançado importantes vitórias com a utilização de imensa massa de elefantes como elementos surpresa de ataque. E sabido é que as investidas dos paquidermes em correria, indo de encontro a inimigos, causam debandadas e destruição. Mas Aníbal não se ateve para o fato de que cada guerra se diferencia da outra e cada manada age de forma diferente. Ademais, os seus elefantes já estavam cansados, extasiados, sofridos demais para obedecer qualquer ordem.
E a situação se agrava à medida que os imensos soldados atrasavam a rapidez dos avanços, dificultavam os acessos, causavam medo e transtorno às próprias tropas. E quando exigidos que atacassem, vez por outra retornava defronte o inimigo para investir contra os seus. Quer dizer, o que seria uma solução, um eficaz e surpreendente elemento de ataque, foi produzindo um efeito contrário. E Aníbal, o grande estrategista, se tornou refém de sua manada, daquele peso insuportável de ser mantido. E foi atrasando o cerco até ser surpreendido e derrotado, tendo de se submeter a um acordo humilhante para um general.
Mas não só Aníbal errou ao levar elefantes para o combate. Nós, pessoas tão comuns, também insistimos em levar manadas nos nossos percursos. Os enormes mamíferos de Aníbal estão em nós simbolizados por todo o fardo que carregamos, por conveniência própria, em nossas vidas. São os elefantes dos erros, dos pecados, das injustiças, das impossibilidades, de tudo aquilo que sabemos não suportar e ainda assim teimamos em carregar.
O ser humano se arvora de general, estrategista e sempre preparado para os embates surgidos, mas não consegue vencer seus próprios erros nem seus inimigos interiores. Frágil demais diante um problema maior que surge, ainda assim tem que suportar o peso que carrega nos ombros, no íntimo, na consciência. Até que poderia caminhar sem fardos tão grandes, mas não há jeito, pois parece não se contentar enquanto não estiver encurvado pelo peso de seus elefantes.
Aníbal perdeu a batalha final porque escolheu a lentidão à agilidade, porque confiou demais naquilo que não mais podia manter sob sua ordem. E também porque não se desfez do empecilho assim que foi percebido. Com o homem comum ocorre a mesma coisa. Não se contenta com a leveza da alma e coloca sobre o seu corpo todos os elefantes do mundo. Desde o primeiro erro já percebe quanto aquilo lhe pesa, mas vai acumulando sobre si erros e desatinos. E depois vai se lamentar por não suportar tanto fardo no seu destino.
Os elefantes de Aníbal, feridos e famintos, foram morrendo um a um. Então ele se supôs liberto daquele imenso erro. Mas tarde demais. A guerra já havia sido perdida no início da caminhada, ao não pensar nas consequências. Por isso mesmo que o homem comum deveria saber que o peso pode ser retirado das costas, mas não da consciência.
Poeta e cronista
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