VELHAS E NOVAS LIÇÕES
VELHAS E NOVAS LIÇÕES
Rangel Alves da Costa*
Por mais que se busque preservar as bases primordiais das civilizações, a verdade é que o tempo vai varrendo muito daquilo que caracterizou a vida de muitas sociedades. Os sistemas jurídicos e sociais, por exemplo, são aprimorados para atender às feições do novo tempo. Porém muito se deteriorou pelo uso ou foi simplesmente esquecido.
A Lei do Talião, aquela do olho por olho dente por dente, e contida no Código de Hamurabi (1700 a.C.), teve validade e justificação naquele momento histórico da Babilônia. Contudo, a evolução do Estado e as novas concepções do homem enquanto senhor de direitos, expurgou de vez esse tipo de justiçamento, ou lei pelas próprias mãos. E igualmente com diversas legislações modernas que alijavam às mulheres quase todos os direitos sociais. Em algumas sociedades ainda prosperam as discriminações, porém contrapondo aos ditames humanos da lei.
Muitas práticas das sociedades e povos antigos são vistas atualmente como absurdas. E não raro se imaginar que assim agiam por estarem vivendo num período de barbárie. Mas sempre errôneo pensar assim. As práticas, condutas e leis eram justificadas pela própria sociedade de então. Existiam de tal forma porque as condições de então requeriam suas práticas. Somente com a evolução de outras sociedades ao redor, aquelas de princípios mais tradicionais começaram também a se moldar perante as novas realidades.
A verdade é que as transformações foram ocorrendo com a própria evolução da sociedade, do seu pensamento e na sua forma de se situar perante o seu meio. Assim, aqueles tantos deuses cultuados foram dando lugar a uma crença num ser superior, ainda que permanecessem os cultos esporádicos às divindades. Neste percurso, o sistema patriarcalista, onde havia nítida prevalência do homem como senhor absoluto, foi dando lugar a um regime familiar, com reconhecimento da importância da mulher na tomada de decisões.
Do mesmo modo ocorreu com as práticas rituais, os costumes, as tradições e as manifestações próprias de cada povo. Num passado não muito distante, a vida entre determinados povos era em grande parte permeada por cultos e ritos que fortaleciam não só sua espiritualidade como permitiam maior unidade e controle social. Com o passar dos anos, ainda que permaneçam vivos resquícios das tradições, pouco restou daquela existência mista de cultura e religiosidade próprias.
Contudo, mesmo o passado sem rastros, devorado e esvoaçado de vez pelo tempo e as transformações, não desaparece de modo que dele não se possa avistar suas lições. Muito continua existindo com nova feição. Na verdade, nada de novo existe que, de alguma forma, já não tenha existido no passado. E a pura verdade, eis que o homem vai apenas transformando o já existente para o surgimento do novo. E desde a primeira chama do fogo ao laser mais moderno.
Nada melhor que a História para servir de exemplo e testemunho de realidades que não devem ser repetidos pelas gerações. Verdade é que as atrocidades das guerras parecem espelhos de pouca valia diante dos absurdos repetidamente cometidos. E igualmente com relação aos abusos empreendidos em nome do fanatismo, preconceito e discriminação. Em nome da fé espalha-se o terror e o medo.
Mas foi também a História que cuidou de lançar ao olhar das civilizações a necessária aversão por práticas e costumes que confrontavam o próprio sentido de humanidade. E a escravidão humana - que por tanto tempo submeteu impiedosamente pessoas pela sua cor, tornando-as como reles mercadorias ou instrumentos de trabalho - teve de ser renegada ante as novas realidades históricas.
Contudo, os resquícios escravagistas continuam açoitando a dignidade humana em diversos recantos. E o seu combate só pode ter continuidade se aquele passado de dor e sofrimento não for esquecido. Do mesmo modo a negação da mulher em diversas sociedades e os tribalismos que colocam seres inocentes como alvo de suas guerras infindas. Os radicalismos islâmicos e suas barbáries são exemplos claros de como o homem insistem em continuar se bestializando.
Contudo, nada acontece por acaso. Sempre se espera que a guerra, o sofrimento, a perseguição, o preconceito e o sangue injustamente derramado sirvam como alguma lição. E que deva ser aprendida a tempo de salvar o que resta da humanidade.
Poeta e cronista
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