OS FINS E OS MEIOS

OS FINS E OS MEIOS

Rangel Alves da Costa*

Conhecidíssima a assertiva de Maquiavel: Os fins justificam os meios. Noutras palavras, tudo será validado diante dos objetivos desejados. Daí surgir a noção de maquiavelismo ou maquiavélico, que num e noutro caso servem para indicar a falta de escrúpulos no afã de impor objetivos. Mas será que é bem assim?

A concepção de Maquiavel se volta para a ação política (política enquanto governo, e não partidária), mas com leitura que abrange o poder e as relações em geral. Contudo, o que mais releva na sua obra “O Príncipe” são as múltiplas leituras que se tem segundo os objetivos de cada um. Há aqueles que a veem como um punhal afiado para enfrentar inimigos; outros como a justificativa para a prática de toda maldade; e ainda outros como a lição de que não se deve ter piedade nem clemência.

Mas é no sentido político, de poder, que a obra é mais acolhida como leitura livre que se faz das suas entrelinhas. E quem a lê assim certamente entenderá que não há regras morais ou éticas para se alcançar o poder ou a dominação, devendo o pleiteante se valer de todas as armas e artimanhas que puder dispor. O mesmo vale para sua manutenção, eis que o poder deve ser mantido com as mesmas estratégias, ou seja, a qualquer custo.

Com efeito, escreveu o filósofo que “Deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-as a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios. (...) Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados”.

Como observado, se algum mal deva ser feito que não se pense duas vezes ou seja postergado. Do mesmo modo, seja de uma só vez, de uma tacada só, ainda que drásticas suas consequências. Argumenta-se que ação a quem é dirigido sentirá de uma só vez o efeito e também a esquecerá no mesmo passo. Não adianta iludir, fazer aos poucos, sob pena de que as sombras desse mal continuem por muito tempo sendo carregadas.

Certamente que não era intuito de Maquiavel na sua famosa obra dispô-la como um manual de estratégias para as relações entre governantes e governados, ensinando como agir com firmeza para vencer todos os obstáculos que possam surgir. Também não era seu intento ensinar como submeter dominados e inimigos, ainda que muitos governantes cruéis tenham se aconselhado nas suas palavras.

Pelo contrário, vez que a intenção do filósofo era mostrar que os governantes só se legitimam quando possuem pulso forte o suficiente para agir certo na hora certa, ainda que para tal tenham que tomar medidas tidas como arbitrárias, autoritárias e impopulares. Daí que não adianta ser bonzinho se dessa bondade consequências nefastas possam advir, não adianta ser maleável se tal atitude possa ser vista como fraqueza pelos inimigos e opositores.

Mas a concepção de Maquiavel foi sendo ampliada, senão completamente distorcida, através dos anos. O maquiavelismo em si se transformou num jogo de artimanhas e espertezas, e o termo maquiavélico ganhou as mais nefastas conotações. Algo que sempre envolve ardil, dissimulação, falsidade, habilidade destrutiva, astúcia. E também algo diabólico, medonho, impiedoso. Ao falar-se em maquiavelismo ou maquiavélico logo se pressupõe algo aterrador.

Como afirmado, suas vertentes são outras. Se alguém procura alcançar alguma coisa ou vencer um obstáculo, eis que de deverá lançar mão, custe o que custar, daquilo que mais produza resultados na sua empreitada. Tal primado é maquiavélico, mas no sentido de desafiar os próprios desafios. Porém, não significa que isso só possa ser conseguido a custa do embuste, da submissão do outro, da mentira, da falsidade.

O contexto da justificativa dos meios pelos seus fins pode parecer insensível demais, mas acaba possuindo um sentido de preservação. Ninguém vence uma guerra sem matar, ferir, destruir; ninguém semeia pelos campos sem antes destruir florestas; ninguém domina sem submeter o dominado. Muitas vezes a vida depende da morte, a construção da anterior destruição, a violência para encontrar a paz.

Eis outro primado do maquiavelismo, mas neste caso já devidamente adaptado ao que foi distorcido do pensamento original: o inimigo é qualquer um que esteja servindo como empecilho à caminhada. Então urge exterminá-lo, é o que se diz atualmente. E neste intento a utilização de todos os meios, mesmo os mais abomináveis, desumanos e ilegais. Assim na política, na vida, em tudo.

Poeta e cronista

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