ENSAIO SOBRE O NADA

ENSAIO SOBRE O NADA

Rangel Alves da Costa*

Dizem que um sábio fez o gesto de estar repartindo um pão e depois entregou uma metade ao seu discípulo. Em seguida perguntou ao jovem se aquele pedaço de nada seria suficiente para saciar sua fome.

Para espanto do sábio, o jovem respondeu-lhe que agradecia aquela oferta mas já estava satisfeito, sem fome no momento. E disse, apontando adiante, que já havia saboreado muitas daquelas frutas. E espanto maior ainda quando ouviu a explicação posterior.

Disse o jovem que o pedaço de nada oferecido pelo sábio era tão importante quanto aquelas frutas encontradas no nada. Eis que tudo fruto da ideia, e a mente tinha o dom de transformar aquilo aparentemente inexistente em algo palpável e reconhecível, portanto existente.

Mesmo que o pão não existisse, a intenção do sábio foi torná-lo existente para iludir a fome, enganá-la, tornando o nada em algo comestível. Do mesmo modo com as frutas, que surgiram tão saborosas à mente que logo foram experimentadas. Daí a questão: o nada pode ter existência ou não?

Verdade é que nunca houve um consenso sobre a questão. Mas, tomando partido, afirmo que nada é alguma coisa, possui existência. Talvez seja tudo. Ou nada. Mas ainda assim, considerando-se que o nada possa ser nada, muito será, vez que nenhuma coisa é ausente sem que tenha existido.

Os conceitos não possuem o dom de subestimar o nada, ainda que o vejam com insignificância. Dizer que o nada é coisa nenhuma, é o que não existe, é o não ser, ou ausência ou inexistência, não significa absolutamente nada. Só que este nada no sentido de erro.

Afirmar que o nada é considerado como absolutamente inexistente implica em reconhecer a ausência de átomos, moléculas, pó, poeira, substratos, quaisquer partículas. A ausência de tais elementos, contudo, não confirma que o nada inexiste. Poderá existir de uma forma ininteligível ao conhecimento.

Em tudo deve ser reconhecida a existência de alguma coisa. Se o olho humano não consegue avistar, não significa que o nada não esteja diante dele. Ademais, o olho humano só reconhece aquilo que tem conhecimento. E o nada pode estar adiante no próprio espaço vazio.

Neste sentido, um espaço totalmente vazio, sem que qualquer coisa possa ser nele avistada, ainda assim poderá estar tomado de elementos. Apenas o olho não enxerga ou reconhece. Ademais, o próprio espaço vazio já deve ser considerado como algo. Portanto, não seria o nada.

Bastaria dizer que a filosofia reconhece a existência do nada. Filosoficamente, impossível haver vazio absoluto ou ausência total que se afirme como o nada. Para que o nada fosse tido como ausência total, inexistiria também o vazio. E para a filosofia o nada seria exatamente a presença desse algo ausente, ou seja, algo que se opõe ao que se tem como presença.

A matemática também reconhece a existência do nada. O conjunto vazio representando o nada implica na existência de um conjunto que não possui elementos. E não possuir elementos não significa que o conjunto seja inexistente. Daí que o nada matemático é apenas a falta, não a inexistência.

O nada, na verdade, é uma questão que deve ser resolvida pela mente humana. Nenhuma teoria ou postulado pode afirmar acerca da existência ou não do nada se a mente humana, na sua lucidez ou devaneio, pode encontrar as respostas mais satisfatórias que possam existir.

O sábio e seu discípulo deram a resposta. O nada existe à medida que o pensamento queira preencher aquilo que se tem como vazio absoluto. Do mesmo modo, o visível pode se transformar em nada se a mente não lhe der qualquer significância.

Poeta e cronista

blograngel-sertao.blogspot.com