O PRAZER DA NEGAÇÃO E DA CONTRADIÇÃO
O PRAZER DA NEGAÇÃO E DA CONTRADIÇÃO
Rangel Alves da Costa*
O mundo é inequívoco, a vida a mais pura verdade, tudo fático e realidade demais, mas muitos seres humanos insistem em viver se alimentando da negação e da contradição. Prazerosamente recusam o óbvio e contradizem toda lógica. E negam e contradizem tanto a si mesmos como perante os demais.
Juram crença no duvidoso e negam o incontestável; permitem-se iludir pelas falsidades e impõem ceticismos às realidades; preferem trilhar os caminhos do talvez à certeza do acontecido. E, contestando a si mesmos e aos que os rodeiam, acabam forjando verdades naquilo que nem mesmo eles conseguem aceitar.
Não acreditam na morte, não dão crédito à vida, eis que tudo deve ser visto de outra forma. A morte só chega para os outros; a vida não precisa ser provida porque tudo será bem melhor. E nesse passo, acreditando que precipício é rampa de voo, vão tateando a escuridão da existência.
Difícil tratar com pessoas assim, que sempre se opõem a tudo. O ápice da realização é afirmar o erro do próximo. Não porque geralmente vejam como verdade suas afirmações e insinuações, mas pelo simples prazer de negar a realidade dos fatos. O problema não é a razão, mas a simples negação. Por mais açúcar que sintam, ainda assim dirão que está insosso ou que ainda prevalece o gosto de sal.
É típico em tais pessoas que a razão esteja sempre com elas. Não a verdade, repita-se, e sim o arrogante senso de sobrepujamento. E também a vazão da incoerência, pois muitas vezes reconhecem o erro, sabem que não há fundamento naquilo que dizem, porém confrontam, prazerosamente, o fato e até o científico. E não adianta discutir, tentar provar com outros elementos. Elas simplesmente não aceitam. E pronto.
São capazes de alimentar uma interminável discussão acerca do calor mais intenso do brilho da lua aos raios do sol. Acaso afirmem que as correntezas do rio retornam ao mesmo lugar não há quem os faça mudar de opinião. E enrubescem, enraivecem e até brigam pelas suas fajutas afirmações.
Conhecendo como agem tais donos da razão e da ciência, alguns precavidos tiram proveito do próprio veneno da serpente. Testando o senso contraditório do outro, negam o que conhecem como verdade para ver o opositor a tudo cair na armadilha. Afirmam inverdades e esperam que digam o contrário. E quando surge o não, então a verdade surge de modo reverso.
Citando um exemplo do afirmado acima. Se diante do intransigente, do dono da razão e do conhecimento, afirmo algo óbvio demais, porém de forma errada, assim como a cor do sangue é lilás, de pronto ouvirei que todo sangue é vermelho. Afirme-se, porém, que o contestador acaba dizendo a verdade com uma pontada no coração, vez que seu verdadeiro prazer seria contradizer inversamente. Bastava afirmar que sangue é vermelho e ele rebateria dizendo que não. E viria com mil explicações sem pé nem cabeça.
Mas por que o ser humano é tão contraditório nas suas atitudes, práticas e ações? Por que se caracteriza tanto como a afirmação em contrário do que foi dito, pela incoerência em quase tudo que diz ou faz, pela terrível capacidade de não saber de que lado está, vivendo eternamente num pêndulo? E o pior: criando um mundo irreal e nele fazendo sua base de sustentação.
É bastante característico em determinados indivíduos a capacidade de viver em contradições e fazer disto a coisa mais simples do mundo. É usual que afirmem uma coisa com veemência e mais adiante voltem atrás, reafirmem com outras palavras, comumente se tornando mentirosos. Talvez as ciências comportamentais afirmem que assim procedem como forma de ajustamento às diversas situações ou complexidades da vida.
Mas existe outra denominação para tal atitude: fraqueza. Ou talvez covardia, pusilanimidade, fragilidade de caráter. Eis que não parece coerente com a dignidade pessoal a busca de situações que sejam sempre mais vantajosas, porém à custa do erro. Ou que vivam confrontando o real pelo simples prazer da cegueira moral.
Poeta e cronista
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