DESESPERADOS E DESESPERANÇADOS
DESESPERADOS E DESESPERANÇADOS
Rangel Alves da Costa*
Desesperos e desesperanças sempre fizeram parte da feição das distâncias nordestinas, principalmente naqueles ermos sertanejos mais desvalidos. Desde o menino ao homem, e na tez de sol as marcas das contínuas agruras. Porque tudo muito difícil, tudo muito sofrido quando a felicidade que se tem é, na maioria das vezes, continuar em pé para fazer valer a própria existência.
Sim, a assertiva euclidiana ainda prevalece, eis que o sertanejo é realmente um povo forte, sempre lutador, persistente, demasiadamente esperançoso. Sua profunda religiosidade serve como alento diante de tantas e todas as dificuldades que o rodeia desde o canto do galo ao clarão da lua maior. Contudo, até mesmo a mais portentosa baraúna se ressente da desolação que lhe é imposta. E o homem, o ser da terra e que é dela dependente, ainda mais se encurva impotente e abandonado.
As carências e as necessidades sempre fizeram parte tanto do homem como da terra e tudo que nela cresce e andeja. A riqueza do homem é aquela que lhe permite sobreviver. E geralmente sobrevive da terra e dos frutos dela advindos, e que são quase nenhum dependendo da estação. Sem emprego formal, geralmente sem formação educacional, por muito tempo não havia outro meio de sobrevivência senão o labor debaixo do sol ou no ganha pão de qualquer afazer.
Mas os tempos são outros e muito diferentes, porém mais difíceis de permitir sobrevivência através do trabalho na terra. Ora, não há mais um sertão entrecortado de pequenas fazendas, pequenos roçados, com quase todos dispondo de seu quadrante de terra para plantar depois da trovoada. Tornou-se raridade o sertanejo levantando ainda na madrugada para atravessar a cancela e começar a sua lide no seu roçado ou mais adiante.
Num tempo em que nem quintais existem mais, mais difícil ainda encontrar alguém que diga que ainda dispõe de um pedaço de terra com pequeno rebanho e onde planta e colhe quando o tempo permite. Os trabalhadores da terra, porque venderam seus roçados diante as estiagens ou porque foram desapossados de sua propriedade, de repente se viram numa situação desesperadora. E não é fácil para o sertanejo viver num meio onde não mais interage.
Desespero e aflição, eis que sem a terra o homem se sente em plena desvalia e sem garantia nenhuma de digna sobrevivência familiar. Ademais, dificilmente o sertanejo se acostuma distante do seu afazer cotidiano sem estar chiqueirando uma vaquinha, ajeitando uma cerca, roçando a mataria num canto e noutro. E o mais triste é que não encontrará espaço de realização na cidade, não será acolhido nos ofícios urbanos, não será mais o mesmo. Ou será apenas um ser desolado mirando o passado.
Acima a situação daqueles que forçadamente deixaram seus afazeres no campo para enfrentar a ingratidão e o desamparo dos centros urbanos. Contudo, há ainda um contexto muito mais estarrecedor, verdadeiramente triste e lamentável por envolver jovens sertanejos sem quaisquer perspectivas de realizações perante os novos tempos. Uma infinidade de jovens que sem trabalho na terra também não encontram trabalho em qualquer outro lugar.
Logicamente que a situação atual dos jovens é muito diferente de tempos passados. Hoje há uma escola em todo lugar, ao menos um mínimo de educação escolar está à disposição de todos. E todos os pais, sentindo as agruras da insuficiência na própria escolarização, invariavelmente procuram na educação o sonho maior de uma formatura que garanta um futuro promissor. Mas chega um tempo que o sonho se torna pesadelo.
O pesadelo maior surge quando o aluno termina o ensino médio, quando chega a este nível, e não dá continuidade ao estudo, ou porque muitos acham que já possuem conhecimentos suficientes para o mercado de trabalho ou porque resolvem não prestar vestibular e seguir adiante na formação. E mesmo no sertão diversos cursos já são oferecidos através de polos de grandes instituições de ensino superior.
Contudo, é uma verdadeira peneira. Uma mínima parte desses alunos consegue se formar e adentrar no mercado de trabalho. E a grande multidão restante, aquela que parou de estudar em outros níveis educacionais? Eis o grande problema, pois esse remanescente de jovens acaba formando um exército de desempregados, subempregados e desesperançados. E tais contextos são perigosos demais nesta faixa de idade.
O desemprego e a desesperança vulneram profundamente a juventude. Sem meio de minimamente sustentar-se, o jovem sente que não pode sonhar, não pode planejar, não vê portas abertas à sua frente. Nem namorar com maior firmeza pode, pois se acha impedido de prometer à amada uma aliança e mais tarde um sim na igreja. E as expectativas vão se esfacelando e destruindo a autoestima em pleno vigor.
Verdade é que os jovens sem uma ocupação proveitosa acabam sendo atraídos para perigosos caminhos. O maior exemplo está na atração pelos vícios, no uso de drogas, e a partir daí todo um nefasto percurso de ilicitudes. E acaba sendo assim o que não era para ser assim. E geralmente por dois motivos: o trabalho e sua inexistência.
Poeta e cronista
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