A CUIA NA MÃO E O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO

A CUIA NA MÃO E O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO

Rangel Alves da Costa*

Dificilmente alguém encontrará um prefeito que não tenha na ponta da língua as velhas e esfarrapadas desculpas para os seus descalabros administrativos. E dizem que os cofres públicos estão completamente esvaziados; que os repasses federais são insuficientes para a tomada de quaisquer medidas; que a prefeitura está de cuia na mão e não vê saída diante da contínua crise.

E depois, mais folgadamente, começam a dizer que era sua intenção oferecer ao povo o melhor que tanto merece; que tem planos para grandes realizações, grandes transformações em todo o município, de modo que a população possa contar cada vez mais com qualidade de vida, com saúde e segurança, com obras estruturais e duradouras. Mas infelizmente nada podem fazer diante do caos financeiro que coloca a administração em verdadeiro estado de penúria.

Muitos deles até choram ao debulhar o rosário de cinismos e desfaçatez. A verdade é que a situação não está realmente fácil, as verbas escasseiam cada vez mais, muitos administradores possuem até dificuldades de honrar seus compromissos com o funcionalismo. Em muitas situações, os planos e objetivos administrativos foram dificultados pela simples falta de recursos.

Contudo, nada disso impede que continuem trabalhando, realizando obras e proporcionando melhorias para a população. A escassez de recursos não significa paralisia administrativa, ineficácia de gestão nem omissão perante as necessidades mais urgentes da população. Na administração municipal, apertar o cinto não significa deixar de realizar, mas apenas realizar menos. Mas assim não pensam muitos administradores, que sob a desculpa das dificuldades financeiras acabam fechando as portas de tudo. Menos as dos cofres públicos.

É inadmissível, por exemplo, que uma administração continuamente afirmando estar de cuia na mão, com o seu gestor pranteando em todo microfone que encontre, pretenda também viver no mundo da mágica. E mágica porque de repente é como se o município não estivesse recebendo mais um centavo, não estivesse mais lhe sendo repassado um centavo sequer de verba. Ora, como desculpa para tudo, principalmente para não fazer nada, o gestor simplesmente afirma que não dispõe de quaisquer recursos.

E qual a destinação das verbas que todo mês são repassadas, qual a destinação dos muitos recursos específicos que são enviados, o que é feito com o dinheiro público? Na maioria dos casos, muito difícil saber. Por mais que o Portal da Transparência do Governo Federal informe quais os recursos públicos colocados à disposição da gestão municipal num determinado período, ainda assim a velha ladainha da falta de recursos continuará sendo lamuriada pelo gestor.

Geralmente há uma luta titânica entre o gestor e a transparência. Nada lhe é mais ameaçador do que o povo saber quanto foi destinado aos cofres municipais. Corre-se o risco de a descoberta ser confrontada com as desculpas esfarrapadas. E assim acontece, vez que não adianta que um munícipe tenha em mãos a prova do repasse de determinados valores quando o administrador ignora e continua afirmando da pobreza absoluta. E estende ainda mais a mão para mostrar a cuia.

Contudo, um fato interessante nisso tudo diz respeito ao outro lado da mágica envolvendo o dinheiro público. O que some dos cofres públicos vai parar, como num truque ilusionista, em outros cofres, outras contas, outros colchões. E não há como pensar diferente, eis que enquanto a prefeitura e o administrador se dizem na extrema miserabilidade, pessoas começam a mostrar riquezas além da conta de hora pra outra. E tais pessoas, mesmo que por debaixo dos panos, sempre possuem vínculos ou com o gestor ou com a administração.

Muitas dessas pessoas não têm qualquer receio de serem apontadas como laranjas, como usurpadoras do dinheiro público ou como qualquer outra denominação ainda mais desonrosa. Acham-se sempre protegidas demais, acima da lei e, o que lhes soa como mais importante, muito poderosas. Verdade é que em pouco tempo se tomam de uma “religiosidade” tamanha que multiplicam pães num passe de mágica, transformam seu nada ter em muitas posses e se tornam milagrosamente ricos.

Como se percebe, muitas prefeituras vão além da caracterização de órgãos públicos para se tornarem também em verdadeiros templos religiosos, no local ideal para operar o milagre da multiplicação. Mas no lugar do pão ou do peixe há o bolso do espertalhão, daquele que reconhecidamente nunca teve além do necessário para sobreviver, mas que de repente se vê com polpudas contas bancárias, caminhões, fazendas e muito mais.

E o prefeito, o grande mentor do execrável prodígio da multiplicação, continua chorando de cuia na mão.

Poeta e cronista

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