A PRISÃO DOS MENSALEIROS E A PROGRESSÃO DA PENA POR SALTO

A PRISÃO DOS MENSALEIROS E A PROGRESSÃO DA PENA POR SALTO

Rangel Alves da Costa*

Nunca se falou tanto em pena e progressão da pena como nos últimos dias, principalmente depois da quarta-feira, dia 13, quando o Pleno do Supremo Tribunal Federal decidiu que seria cabível a prisão imediata de alguns condenados do mensalão.

Imediatamente a imprensa começou a debater acerca do regime de cumprimento das penas, sobre aqueles que cumpririam suas condenações em regime fechado, semiaberto ou aberto. Então logo veio a tona um tema que desde muito vem sendo um verdadeiro transtorno para os juízes das Varas de Execuções Penais, mas também para advogados e condenados que querem ter seus direitos respeitados.

E tudo gira em torno de uma inovação jurídica acatada por alguns magistrados, mas não reconhecida por Súmula de STJ, denominada “progressão da pena por salto”. Conceitualmente, seria a possibilidade do preso que estiver cumprindo pena no regime fechado ser transferido diretamente para o regime aberto, deixando de passar pelo regime semiaberto, e pelo fato de o sistema prisional não dispor de estabelecimento adequado.

Mas como afirmado, a progressão por salto, ou a prática de transferir um sentenciado que está no regime fechado diretamente para o regime aberto, sem passar pelo regime intermediário, é vedada pela jurisprudência do STJ. Com efeito, diz a Súmula 491 que “É inadmissível a chamada progressão per saltum de regime prisional”.

Contudo, se por um lado, amparado no principio constitucional da legalidade e no art. 112 da Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/84), o STJ firmou o entendimento de não ser possível a progressão de regime por salto, por outro lado, julgados existem, mesmo nas Cortes Superiores, no sentido de flexibilizar a progressão do regime todas as vezes que a progressão recaia em regime onde não haja vaga para cumprimento.

Neste caso, a progressão do regime fechado para o semiaberto é automaticamente transmudada para o aberto. É uma questão de reconhecer o direito do apenado, que não pode ser penalizado pelas falhas no sistema prisional sob a responsabilidade do Estado. Ademais, em via oposta ao entendimento do STJ, diversos fatores comungam para que a progressão por salto possa ser aplicada pelo julgador.

A própria Lei de Execuções não tem conseguido alcançar seus objetivos na execução das penas, o sistema prisional distancia-se cada vez mais dos preceitos legalmente estabelecidos, o Estado pouco faz para que o sistema prisional seja minimamente eficiente e adequado ao cumprimento das penas. E fato é que não está colocando à disposição do judiciário os estabelecimentos prisionais necessários para o cumprimento adequado das penas. Desse modo, como a progressão implica sair do regime fechado para o semiaberto, o apenado deve continuar no regime mais gravoso por culpa do Estado?

Eis o cerne da questão que o STJ não quer reconhecer. Sua visão legalista não está enxergando a culpa do Estado, mas apenas a obediência à lei já carcomida e desrespeitada em muitos aspectos. A progressão é um direito do preso; o local para o cumprimento da pena é um dever do Estado. Se não houver meios de dar cumprimento, então que as circunstâncias passem a ser favoráveis ao condenado.

E o magistrado da execução, ciente de que estará praticando constrangimento ilegal se não conceder a progressão, então opta, acertadamente, pela progressão por salto. Quer dizer, transmuda automaticamente do regime semiaberto para o aberto simplesmente porque não há vagas no regime intermediário. Em Sergipe, por exemplo, nem estabelecimento para o semiaberto há mais.

Creio, contudo, que após a prisão dos mensaleiros muita coisa vai mudar com relação à progressão por salto. Em primeiro lugar, os afamados advogados dos figurões jamais permitirão que os seus clientes cumpram pena em regime mais gravoso do que o estabelecido na condenação. Por consequência, haverá o reconhecimento oficial da falência do sistema prisional brasileiro, mais de perto com relação a estabelecimentos para o regime semiaberto, e logo as Cortes Superiores definitivamente acolherão a progressão por salto.

Em segundo lugar, se o Estado não pretender continuar sendo responsabilizado por permitir que condenados ao regime fechado progridam desse regime e passem automaticamente para o aberto, terá que tomar providências imediatas. E terá de fazer aquilo que desde muito vem se omitindo, que é tratar o sistema prisional como coisa séria. E creio que é muito difícil começar a correr depois do vício da letargia.

Por último, tenho por induvidoso que a prisão dos mensaleiros veio, senão resolver, mas ao menos permitir um novo enfoque à realidade prisional brasileira, às leis de execução e seus julgados contraditórios. E também deixar claro que a ineficácia e a negligência do Estado não poderão ser supridas com essa aberração chamada “tornozeleira eletrônica”, como se condenados tivessem de ser monitorados em liberdade.

Poeta e cronista

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