A MISÉRIA DA POBREZA
A MISÉRIA DA POBREZA
Rangel Alves da Costa*
Todo mundo sabe que recentemente o sertão nordestino passou por um dos piores momentos de sua história. Os mais velhos afirmavam que a estiagem que se alastrou por quase três anos foi uma das mais ferozes dos últimos cinquenta anos. A seca e sua feiura se espalharam pelos quatro cantos, aterrorizaram até os mais calejados e esperançosos sertanejos e ameaçaram a sobrevivência de muitos.
O sol tomou o lugar da lua, o calorão se intrometeu na aragem e lhe abocanhou a brisa do entardecer, a secura fez o pote rachar, a moringa só faltou gritar de boca aberta. Dizem que os lobisomens e as mulas-sem-cabeça se danaram e fugiram em atropelos no meio da noite, amedrontadas com os gemidos saindo das ossadas estendidas nos descampados e por todo lugar. Brincadeira à parte, mas tinha gente avistando oásis nos cafundós. Doido de pedra.
Já choveu por lá - e muito em alguns lugares -, mas a coisa continua feia, triste, lamentável. A pobreza que já era muita e que já era tanta, agora tem o dom de transformar a carência na mais absoluta miséria. E numa miséria ainda mais degradante, que é a submissão humana ao poder. Infelizmente o poder mantém na submissão do empobrecido o seu meio de sobrevivência maior. Dele depende para se manter no pedestal.
Choveu, juntou água na maioria dos tanques, os pastos tomaram a cor verdejante, os bichos e os pequeninos já não reclamam da sede, as esperanças foram renovadas, mas a pobreza continua impávida e cada vez mais feia. Plantar milho e feijão e colhê-los como alimento servirá apenas como auxílio passageiro. Mas a pobreza continuará existindo porque o homem do campo não sobrevive apenas da terra, necessitando acima de tudo de outros meios de fazer prevalecer sua dignidade.
Difícil explicar a dignidade considerada naqueles abandonados pelos poderes públicos, pelos governantes e todos aqueles que batem às suas portas em épocas de eleições. Ingratidão, isto sim; omissão, abandono, covardia, tudo isso sim, menos dizer que há mínima preocupação dos poderes para com os flagelados da vida. Ora, quem se preocupa não espera acontecer. Quando não consegue combater de vez ao menos impede que se alastre e provoque tanta dor e sofrimento.
Basta o noticiário começar a relatar que as estiagens novamente se alastram para que os governantes venham com suas cuias de bondades, para não dizer outra coisa. E em pomposos atos oficiais anunciam os desavergonhados planos emergenciais, as ineficazes políticas de combate à seca. Esperando apenas as chuvas caírem, tudo ser esquecido, e continuar a vergonhosa situação de servilismo, de eterna dependência.
Ora, os governantes, principalmente os municipais, nada fazem para combater a miséria. Não interessa ao poder que o homem se emancipe, que deixe de lhe estender a mão e de se ajoelhar rogando um tanto disso ou daquilo. Daí não haver emprego, não haver melhoria na qualidade de vida, não haver oferecimento de meios que permitam meios duradouros de subsistência.
Mas a verdade é que o quadro dantesco continua desenhado. Quem tem olhos para ver que suporte chegar num daqueles lugares escondidos no meio do mundo, bata à porta, peça licença e trave um proseado com seus moradores. Dirá que o mato está verde, que o tanque ainda não secou, que não tem faltado o pão de cada dia. Mas há de se perguntar: será que o sertanejo merece ter apenas aquilo para se manter esperançoso e em pé, ou precisa sobreviver na amplitude da dignidade humana?
Os governantes sempre dirão que são históricos os problemas do sertão e que é impossível modificar a situação. Dirão ainda que fazem o possível para melhorar a qualidade de vida da população, que estão atentos e buscando soluções para todos os problemas existentes. Mas eles não saem dos seus gabinetes para adentrar veredas, se lanhar nos espinhos, fazer suar sua camisa de marca, para mais adiante confirmar com os próprios olhos a desumana vida de eleitores seus.
Acaso as autoridades, governantes e poderosos chegassem aos casebres distantes dos sertões certamente receberiam lições para toda a vida. Bastaria uma visitinha e de lá sairiam conscientes que vale mais o que o homem tem e mostra ser do que aquilo do qual se adorna e promete perante o outro. Sentiriam que a miséria da existência não tira do homem a nobreza de sua dignidade e do respeito perante o próximo. Aspectos, aliás, que lhes são inexistentes.
Eis que a verdadeira miséria da pobreza não está no fato de lhe faltar quase tudo na despensa e sobre a mesa, mas sim na forçosa submissão que lhe é imposta e na imputação que lhe é feita de escravo do voto, de subordinado ao querer impiedoso do poder. Por mais que se tente negar, a pobreza, com sua peculiar fragilidade, continuará sendo o grande esteio para aproveitadores e enganadores. Todos governantes.
Poeta e cronista
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