O LIVRO DO AGORA
O LIVRO DO AGORA
Rangel Alves da Costa*
O Livro do Agora, como o próprio título pressupõe, não pode ser escrito depois, historicamente relatando os acontecidos neste momento vivenciado no mundo. Imprescindível que seja já, neste instante, sob pena de o futuro não descrever com a veracidade necessária o que agora acontece ou omitir aspectos essenciais dessas páginas vergonhosas para o ser humano. E que a posteridade um dia conheça o que indignamente o homem foi capaz de fazer perante todos.
É livro onde cada página possui a correria das horas, os estampidos das guerras, os ecos dos protestos, os gritos de dor, e também o cheiro e a podridão do terror e das tantas mortandades impingidas a inocentes. É também livro nascido do espanto com a corrupção que se desenrola em todos os setores, com a capacidade que o sujeito dito civilizado possui para semear a barbárie sem precedentes.
O Livro do Agora só acolhe o ontem como causa de hoje, e a nudez do momento sem qualquer explicação. Na verdade, vários tomos de uma mesma obra serão requeridos para relatar os tantos acontecimentos e fatos que contam a história do momento. Páginas e mais páginas para cuidar das guerras de agora, da fome de agora, das desilusões de agora e sempre, dos tantos malefícios na sociedade presente.
Capítulos volumosos sobre o massacre de inocentes na revolta síria, acerca das ameaças nucleares das nações egoístas e ditatoriais, sobre os intermináveis confrontos e ameaças na fronteira palestino-israelense. E quanto há de ser lido sobre governantes arrogantes, desumanos e chantagistas, todos aqueles que enriquecem urânio para fins belicosos. E nada de tempos passados nem do futuro, mas fato desse momento.
Em páginas, por isso espalhando-se pelo livro inteiro, os gases mortais sendo arremessados contra populações inocentes e amedrontadas; os defensores do regime e os revoltosos contra o impiedoso governante se entrincheirando nas vias públicas, nos becos, nas vielas apodrecidas por corpos mortos e mutilados; o governante defendendo a soberania e o direito de aniquilar, massacrar, praticar genocídio contra seu próprio povo.
Livro que se amedronta diante de armas químicas e do gás sarin utilizado pelo regime sírio contra alvos civis e indefesos. E que também teme pela incoerência e convivência mortal de países como a Rússia, persistente em minimizar as atrocidades cometidas e até encorajar e defender o governante assassino na sua empreitada maléfica. Em nome deste, ou seja, em nome da mortandade, faz graves ameaças às nações que estão dispostas a combater as atrocidades do regime. Nenhum outro livro falaria sobre isso, somente o Livro do Agora.
Mais adiante, ou mesmo antes, eis o livro relatando os sofrimentos de agora do povo egípcio na interminável guerra entre partidários de grupos políticos, ou militares e grupos islâmicos, e a desmedida ação dos organismos de segurança. Vê-se uma fotografia da Praça Tahrir e as sombras alarmantes da violência e dos mais de mil e duzentos mortos nos últimos confrontos. E tantas outras pessoas que chegam para a dúvida da vida. Tudo agora, tudo no Livro do Agora.
Páginas enlameadas pelas corrupções, atos de improbidade, roubalheiras, peculato, uma infinidade de ações danosas à vida das nações. E não se pense no ontem, no acontecido há dias ou meses atrás, mas naquilo que neste momento está sendo praticado nas esferas políticas e de poder, nos centros governamentais e na máquina administrativa. Tudo agora, tudo sendo praticado neste momento. Acaso possuísse câmera, o livro revelaria a propina desenfreada, os abusos de poder, os assédios e as roubalheiras.
Numa folha e noutra as espionagens virtuais, os crimes cibernéticos, as redes sociais e os e-mails sendo monitorados, vigiados e utilizados ao bel-prazer das empresas e governos. E em tudo a perda de privacidade, a falta de sigilo em cada palavra que seja digita e enviada, os mais simples segredos armazenados para os fins mais escusos. Porque a rede reproduz o momento, a abordagem daquele instante, e é isto que tanto açula a sanha da espionagem oficial ou pirata. Tudo agora, num clique, num toque, em qualquer coisa que se disponibilize via rede mundial de computadores.
Um livro com um capítulo inteiramente escrito no calor das politicagens, dos conchavos, manipulações e malandragens. A mão recebendo o dinheiro da licitação fraudulenta, o bilhete com valores e o número da conta bancária, a pasta recheada de volumosas e ilícitas quantias. E faces e feições alegres, sorridentes, felizes, todas demasiadamente parecidas com as de políticos, autoridades, assessores, laranjas. Daí a podridão que exala em determinadas páginas do livro.
Ao folheá-lo com mais cuidado, certamente o leitor sentirá certa estranheza no livro. Algumas páginas parecerão famintas, outras sedentas, e feridas ainda outras. Não será nenhuma alucinação, pois é livro que também vivencia o agora nos continentes africanos famintos, nos sertanejos abandonados, nos escondidos e esquecidos de qualquer lugar. E não adianta querer fechá-lo, deixá-lo de lado, pois o Livro do Agora também grita.
Poeta e cronista
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