O PÃO E O CIRCO

O PÃO E O CIRCO

Rangel Alves da Costa*

O poeta romano Juvenal, que viveu por volta do ano 1000 d.C., na sua Sátira X criticava a sociedade romana que permanecia inerte aos descalabros governamentais e políticos e só se preocupava com a comida e o divertimento. Daí haver surgido a célebre frase Panis et circenses, cuja tradução do latim significa exatamente pão e jogos circenses. Ou simplesmente Panem et circenses: pão e circo.

A partir daí, o termo pão e o circo se transformou numa verdadeira política governamental. Após a assertiva de Juvenal, toda a classe política romana viu na oferta do pão e do circo uma real possibilidade de aplacar as desconfianças, os reclamos e as revoltas sociais. Quer dizer, procurando que ao povo fosse garantido o mínimo de sobrevivência e de diversão, certamente que este não teria sequer tempo de criticar ou se revoltar contra os políticos e os governantes.

Não será mera coincidência o pão romano e a cesta básica governamental. Com a barriga iludida, logicamente que as indignações com a falta de emprego, de assistência à saúde, de educação de qualidade e de infraestrutura serão diminuídas e o governante não terá o desprazer de enfrentar uma revolta dos famintos. Quanto ao circo, basta ver quantos andam por aí nos palácios, nos órgãos governamentais, nas câmaras altas e assembleias fazendo palhaçadas para o deleite do esquecimento.

A política do pão e circo, pois, continua em plena vigência. O pão romano consistia na distribuição de cereais para a população carente, de modo que a barriga iludisse a força revoltosa; enquanto o circo era garantido pelas arenas com seus gladiadores e seres humanos e animais sendo objetos do divertimento até a morte. E certamente surgia a seguinte indagação: Mas o que essa corja de pobres quer mais, se já tem o pão e o circo?

Mas nunca é demais se precaver. Seguro morreu de velho e sem precisar do SUS, já dizia um velho amigo. Por isso mesmo que agora o pão vem acompanhado, além do circo, de outras benesses e favorecimentos com duplo sentido: silenciar ainda mais o povo sofrido e torná-lo sempre submetido àqueles que se mostram de tão bom coração. E coração tão generoso que vive pulsando à espera da eleição seguinte. Sabe que o povo cativo gosta de afagar seu algoz.

Anos depois, precisamente em 1789, durante uma grave crise que assolava o governo de Luís XIV, na França, os revolucionários começaram a alardear que sua esposa Maria Antonieta havia pronunciado uma frase que passaria para a história como o maior deboche já dito contra os pobres e oprimidos. Dissera a negligente Rainha de França: “Se o povo não tem pão, que coma brioches”.

Creio que não importa se a rainha expressou ou não o seu real sentimento. Naquele momento histórico não importava saber da veracidade de tal assertiva. Ora, as ruas já diziam tudo, o povo faminto era o grito maior ecoando, a situação era de insustentabilidade. Daí que o seu rei caiu, foi fulminado pela revolta, e mais tarde a própria rainha perdeu na guilhotina seu adornado pescoço. Como se vê, naquele momento a fome do povo era completamente outra, e não apenas de pão.

As lições da História, contudo, parecem não fazer parte da cartilha dos governantes atuais. A política do pão e do circo continua comandando as ações governamentais, às cestas de bondades vão sendo somados balaios de intencionalidades. Mas tudo, repita-se, com os mesmos objetivos de antigamente, ou seja, sufocar as revoltas e indignações do povo através do assistencialismo, esconder as mazelas por meio de doações, garantir a aceitação e o apoio popular através da barriga iludida e da esmola no bolso.

Aconteceu em Roma, ocorreu na França, se alastra nas esferas governamentais e agora se espalha com mais veemência até mesmo nas prefeituras de municípios empobrecidos e de populações vivendo no abandono e na mais absoluta miserabilidade. Em Sergipe há exemplos de rincões lastimosos onde os seus governantes procuram enganar a sofrida população com a contratação de bandas caríssimas para que a pobreza dance a se esbaldar. O pão é governamental, e o circo é por conta deles, dos prefeitos.

Uma situação assim está acontecendo no município sertanejo de Poço Redondo, e exatamente nesses dias de agosto. Por lá, a prefeitura municipal antecipou para um final de semana a festividade popular em comemoração à Padroeira Nossa Senhora da Conceição e providenciou a contratação de quase uma dezena de bandas e grupos musicais. A promotoria pública, diante do quadro calamitoso que ainda apresenta aquela municipalidade em virtude das estiagens, tentou impedir a realização dos eventos. Mas o judiciário acabou acatando a realização do festim.

Tudo seria compreensível se alguns fatores não se ressaltassem, negativamente, com relação a Poço Redondo. Segundo os últimos dados do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013, ali o é o município sergipano com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Sergipe. Quer dizer, é onde a população possui a pior qualidade de vida, é mais empobrecida, há péssima distribuição de renda, os serviços básicos simplesmente não funcionam, não há infraestrutura para praticamente nada.

E ainda assim vultosas quantias são gastas com bandas de gostos sempre duvidosos, com eventos que realmente contradizem a situação de permanente calamidade vivenciada por aqueles sertanejos. Contudo, outra intencionalidade não há com tais gastos aviltantes e desnecessários. É preciso, ao menos por algum tempo, fazer com que o povo esqueça a miséria em que vive. Então dai o circo que o pão da fome será esquecido.

Poeta e cronista

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