AS MOTIVAÇÕES DOS PROTESTOS
AS MOTIVAÇÕES DOS PROTESTOS
Rangel Alves da Costa*
O aumento das tarifas nos transportes públicos, ao lado das afirmações ditatoriais e desrespeitosas dos governantes, certamente dissipou as chamas de um pavio que já estava aceso, e desde muito. Mas não com relação ao preço dos transportes, mas sim pelo altíssimo preço que a população vem pagando desde muito tempo.
E não só preço em produtos ou serviços, mas principalmente o preço na honra aviltada, no desrespeito impingido à sociedade, nos desmandos e descasos governamentais que se acumulam para o esquecimento, na corrupção desenfreada, nos crimes aviltantes e sem punição, no espanto com a canalhice política que se acumula pelos poderes. E muito mais.
Não se deve esquecer que os gastos absurdos com as obras da copa, aliados às acusações de superfaturamento, desvios e roubalheiras de todos os tipos, chegaram até a garganta da população como um grito desejando irromper. Ora, ninguém suporta mais ver o Tribunal de Contas da União apontar irregularidades e crimes praticados nas obras públicas e nenhuma providência ser tomada.
Tome-se por exemplo os escândalos nos superfaturamentos nas obras de transposição do Rio São Francisco. Comprova-se a ilicitude e tudo cai no esquecimento, dando margem para que a roubalheira continue nas graças da impunidade. Será que cabe ao povo ser porta-voz do TCU, ser a caneta do STF, ser as algemas policiais, ser a sentença de condenação e o responsável pela prisão?
Plena razão àqueles afirmando que um país que vive miséria na saúde, na educação, na moradia, nos serviços básicos, no salário pago ao trabalhador, não pode se dar ao luxo de gastos exorbitantes como os que foram e vêm sendo feitos em nome do futebol e outros esportes. A nação do futebol é também a das favelas, dos esgotos a céu aberto, da extrema pobreza em cada canto onde mentirosamente se propaga a redenção. Ademais, avilta em qualquer um que o luxo de um estádio Mané Garrincha, por exemplo, esteja bem ao lado de verdadeiros lixões humanos.
Internamente os desportistas não são tratados com respeito pelos governantes, não recebem os incentivos necessários para preparações competitivas. E soa estranho que um país gaste tanto dinheiro com obras estruturais - e tudo para agradar o ego da Fifa - quando não investe internamente nos seus atletas. Também ninguém engole que o dinheiro do povo vá para uma lanchonete oficial nos estádios e nesta tenha de pagar R$ 6,00 por uma garrafinha de água mineral ou R$ 12,00 por uma lata de cerveja. É tudo roubo, verdadeiro acinte. E isso também revolta a população.
Os governantes deveriam saber - e certamente sabem - que tudo tem o seu limite. Como eles têm o limite prudencial de gastos, o povo também tem um limite de suportar seus desmandos, suas negligências, suas omissões, suas ações ditatoriais, como as que estão pontuando agora. O povo já vive marcado pela oculta e silenciosa escravização, corroído por dentro pelos açoites das políticas governamentais, dilacerado pelo mal que se propaga e sem esperanças de dias melhores.
O povo não suporta mais ouvir um governador, como fez o de São Paulo, dizer que a ação violenta de sua polícia truculenta e afrontosa aos direitos humanos é legítima. Legitimar o erro é incabível num governante, quiçá quando as imagens deixam induvidosas as ações bestiais de seus comandados. E também não é estratégia inteligente deixar transparecer que o patrimônio público é mais importante que a vida de uma pessoa. E assim aconteceu, pois afirmou que a violência era necessária em defesa do patrimônio.
Verdade é que os governantes e toda a classe política sempre fizeram o que bem quiseram, sempre esbanjaram imoralidades achando que as indignações e os descontentamentos do povo são sempre passageiros. Acostumaram em roubar, em nada fazer, em mentir, em esbanjar da cara do povo e receberem, desse mesmo povo, os votos que os elegem. Sempre aconteceu assim, e por isso mesmo o espanto quando a sociedade eclode, sai às ruas, solta o seu grito preso desde muito, faz bradar sua indignação.
Os políticos e governantes estão em polvorosa exatamente porque não conseguem visualizar o que eles mesmos chamam de fio condutor das revoltas, o nascedouro de todas essas manifestações que se espalham pelo país. E se soubessem certamente agiriam para debelar a crise, para escaramuçar a situação, para apagar o fogo. Negociar a todo custo, é o que fariam. Tudo seria través do milagre da promessa e do nada fazer. Mas dessa vez quebraram a cara.
Mas estão atônitos e cegos porque querem. Não precisa nenhuma esperteza para saber de onde vem esse fio condutor das revoltas. Basta que olhem para trás, tentem avistar o que secularmente vêm fazendo com a sociedade, para que encontrem respostas. E também enxerguem o que fazem agora, e não só com o povo, mas também com a nação despojada de suas riquezas em nome de uma elite política nefasta e corrupta.
Todos esses males devem ser vistos como causa do que acontece agora. E mais acontecerá, vez que o povo começa a reconhecer-se na sua imensa força. Espera-se que esse despertar seja a prova maior que a nação não adormece eternamente em berço esplêndido.
Poeta e cronista
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