QUANTO PIOR MELHOR

QUANTO PIOR MELHOR

Rangel Alves da Costa*

Coisas existem que fazem um mal danado ao político, seja governante de plantão ou candidato. Enquanto o povo reza, implora, faz de tudo para ver suas preces atendidas, o político faz exatamente o contrário: paga a mandingueiro para amarrar a vontade da população.

Aliás, é por demais conhecido que político nutre verdadeiro ódio pela educação, pelo saber e pela conscientização do povo. Ora, o poder foge do conhecimento como o coisa ruim da cruz. Não interessa a nenhum governante que o povo tenha consciência crítica, saiba enxergar os erros do poder e escolher livremente o melhor candidato.

Quanto mais analfabeto existir mais será fácil de manipular, ludibriar, mentir. Quanto mais iletrado existir mais ficará imune às críticas, às cobranças e aos confrontos de ideias. Nada pior para um governante do que a oposição justificada do povo, o seu discernimento na hora de dizer não e de exigir o que lhe for de direito. E de fato também.

E quando o povo é pobre e analfabeto então é mel no mamão do político. Eis que a pobreza e a ignorância são o prato cheio para a dominação, para o clientelismo, para o assistencialismo barato. Com uma cestinha de alimentos aqui outra ali, vai procurando criar um prolongado vínculo de dependência em troca de voto.

E o pior é que tal manipulação dá os melhores resultados, vez que as eleições e reeleições têm no voto das classes menos favorecidas seu grande celeiro. Saco de cimento, telhas, tijolos, remédios, óculos, consultas médicas, pagamento de pequenas contas, verdadeiras esmolas, tudo isso é garantia de voto. E está comprovado desde a esfera federal até a municipal.

A lei eleitoral tenta coibir a compra de votos e todas as formas de utilização do poder econômico para desequilibrar as forças confrontantes e salvaguardar a população do assédio em pleitos eleitorais. Contudo, não pode impedir que o próprio povo - como tantas vezes ocorre - faça da obrigatoriedade do voto um verdadeiro negócio. Se é dando que se recebe, então que seja no contado. Ademais, se os governos usam do clientelismo, por que não aceitar um saco de cimento do candidato mais próximo?

E de trocas, doações, subterfúgios e recebimentos vai se construindo o poder. Contudo, determinados fatores ajudam para que os políticos mantenham esse poder de manipulação sobre as classes eleitoras mais empobrecidas. Muita gente vê no assistencialismo governamental uma forma de se manter longe do choro das crianças, de não estar esmolando pelas ruas, de contentamento pela pobreza alimentada. Acha que isso basta para sobreviver.

E não são poucos os que se aproveitam das esmolas oficiais para fazer aquilo que mais gostam: nada. Ora, recebendo cesta, uma bolsa sei lá do que, dinheiro e outras providências, logo se sentem no direito ao exercício da ociosidade, da deslavada preguiça, de rejeitar empregos temporários, de fazer bicos, de não fazer absolutamente. São os jecas nas suas portas tomando fresca, esperando o tempo passar e a eleição chegar para votar no seu santo de devoção, que é o político assistencialista.

Em pessoas assim, tanto faz uma pequena estiagem ou uma seca duradoura. São pobres, não possuem rebanhos, terra, não precisam trabalhar na agricultura, não plantam, não colhem, não fazem absolutamente nada que seja produtivo, então que o mundo resseque tudo que não estão nem aí. Todo mês tem esmola, todo dia tem leite, sempre chega o dinheiro.

Por outro lado, os que vivem períodos de desespero com as secas devastadoras, que sofrem com a falta de água para dar de beber aos animais, que ouvem aflitos os filhos e a criação gemendo de fome, que a cada dia estão prestes a entregar por qualquer vintém tudo o que possuem, estes não saem da cabeça dos políticos. Mas não porque tenham piedade diante da dolorosa situação, e sim porque precisam agir para garantir votos.

E que funesta ação a desses políticos. Quanto mais a seca maltrata mais eles ficam alegres e sorridentes, esperançosos de que tão cedo não caia sequer uma gota d’água. Se cair trovoada corre-se o risco de seus votos irem também na enxurrada, na correnteza feroz. Se cair chuva gorda a maioria do povo vai deixar de estar se submetendo, se humilhando por uma carga d’água, implorando para que o carro-pipa passe lá no seu casebre pra derramar uma cuia de esperança.

Assim, toda vez que chove no sertão é como se veneno caísse dentro do prato do político. Não há na vida coisa pior para essa classe do que não ter o pobre noite e dia se ajoelhando a seus pés para pedir qualquer coisa. Se para o povo a chuva traz vida, para o candidato é como se cada gota caída lhe afligisse como uma punhalada.

E não é por outro motivo que jamais se propuseram a realizar ações eficazes duradouras para resolver o problema da seca e os malefícios trazidos para o sertanejo. Não interessa a nenhum governante, candidato ou seja lá o que for, que o homem do campo se veja livre de seguidas tragédias. É preciso que o homem caia, se submeta, para que ele dê uma esmola e garanta status de benfeitor.

Eis que a dor, o sofrimento e até a morte de uns é garantia de sobrevivida, de vitória política para outros. Assim é e assim será. E sempre será porque é próprio de urubus se lambuzarem na carniça.

Poeta e cronista

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