Intolerâncias religiosas e antirreligiosas
Pouco tempo depois da imprensa do mundo inteiro noticiar a renúncia do papa Bento 16, na última segunda-feira (11), vi surgirem na rede social Facebook diversos posts com piadas e teorias sobre a sua decisão. No dia seguinte coloquei lá no meu perfil um post intitulado “Intolerâncias religiosas e antirreligiosas têm algo em comum: são intolerâncias”, acompanhado por uma imagem bastante emblemática de símbolos das principais religiões que existem no mundo, representando a possibilidade de diálogo entre elas.
Talvez nem todos se lembrem, mas em meados de 2005 foi amplamente noticiadas as terríveis repercussões de uma charge publicada por jornais dinamarqueses, satirizando o profeta Maomé. Considerado o fundador do Islamismo, Maomé está para esta religião como Jesus Cristo está para as religiões Católica e protestantes.
A chamada liberdade de expressão, que serve como um dos preceitos fundamentais do jornalismo, serviu naquele episódio para atiçar a fúria daqueles que consideraram ofensiva a sátira publicada. Mortos, feridos e símbolos oficiais da Dinamarca queimados como forma de protesto. O mesmo aconteceu em setembro do ano passado, quando uma revista francesa publicou charges de Maomé.
Quem tem razão? A resposta depende do entendimento profundo do que esteja por trás da liberdade de expressão e das reações ao conteúdo oriundo dela. A história da humanidade e o registro de tudo que temos hoje não deixam qualquer dúvida: a sede de poder e riqueza, a necessidade de dominar e a falta de interesse em dialogar são, em resumo, o tripé que sustentou e ainda mantém de pé tudo de ruim que existe na vida em comunidade.
Uma rápida análise sobre as grandes conquistas e as principais misérias produzidas pelo ser humano no passado e no presente nos levam a concluir que os avanços tecnológicos adquiridos pela ciência não conseguiram resolver os nossos problemas existenciais e éticos, que muito pouco mudaram em milênios. No mundo globalizado e interligado deste terceiro milênio, cuja população quase triplicou em relação a meados do século 20, arrisco a dizer que vivemos uma das piores crises existenciais coletivas de todos os tempos.
Após 43 anos de vida (parte dela com formação católica, parte com formação racional-filosófica e espiritualista), constato nitidamente que todos (sem exceção) os problemas humanos em sociedade nascem da intolerância ou desembocam nela. Como mencionei no post do Facebook, as intolerâncias religiosas e antirreligiosas têm o mesmo princípio: a morte de qualquer possibilidade de diálogo produtivo. É a imagem da cobra comendo o próprio rabo.
Tenho amigos católicos, protestantes, espíritas, adeptos do candomblé, simpatizantes do budismo e ateus. Mesmo não sendo completo, considero este um microuniverso com boa representação do pensamento religioso e não-religioso. Meu diálogo com eles em relação a praticamente todos os temas é extremamente tranquilo e produtivo. Somos capazes de debater temas polêmicos sem perder o tom de respeito e admiração mútuos. Felizmente, neste rol de amigos temos algo em comum: a busca por caminhos que levem ao bem estar coletivo e à convivência harmoniosa.
Nesse âmbito de amizade eu e os demais costumamos fazer piadas sobre nós mesmos e uns com os outros. No entanto, sabemos os limites do que possa ser inconveniente, grosseiro e ofensivo. Penso que deveriam ser assim, com base no bom senso e no respeito às diferenças, as piadas e manifestações que fazemos nos espaços coletivos.