TRAGÉDIAS DEMAIS

   É preciso que as pessoas, individualmente, e as autoridades se perguntem, com o coração aberto, por que são necessárias tantas tragédias para que o mundo se modifique, para que as leis sejam mais efetivas e cumpridas. A pergunta cabe, nesse momento em que o país está abalado com a morte de mais de 230 jovens em um incêndio numa boate na cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, mas caberia em outros momentos recentes, onde dezenas de pessoas morreram por tragédias previsíveis, que estiveram muito tempo prestes a acontecer.
   Senão, vejamos: quantas boates, nos quatro cantos do Brasil, funcionavam na madrugada de sábado para domingo nas mesmas condições, ou até piores, do que a boate Kiss, onde uma sucessão de erros ceifou a vida de tantos jovens, a maioria estudantes das sete universidades localizadas em Santa Maria? Sem saídas de emergência, com uso de material pirotécnico em ambiente inflamável, sem saídas para ventilação, sem funcionários na brigada de incêndio, com seguranças despreparados, superlotadas ou com alvará vencido.
   A tragédia poderia ter ocorrido em qualquer lugar, em maior ou menor escala – mas, ainda assim, estúpida, pois poderia ser evitada. Certamente, o que ocorreu na cidade gaúcha, que tem porte parecido com Itaboraí, vai mudar a vida de seus habitantes. Pais não deixarão seus filhos saírem à noite, boates serão fechadas pelas autoridades ou farão obras de emergência para se adequar às normas, funcionários serão treinados, etc. São os efeitos do trauma. 
   Foi assim em Niterói, depois do incêndio do Gran Circo Americano, em 1961, maior tragédia pelo fogo ocorrida no país, com mais de 500 mortos. Até hoje, é comum famílias niteroienses não deixarem seus filhos irem ao circo. Nunca mais, um circo com lona parafinada pode se instalar na cidade e até mesmo o local aonde os circos se instalavam foi mudado. Aquela tragédia serviu para mudar as normas de segurança para a instalação de circos em todo o país mas hoje, mais de 50 anos depois, ainda há pequenos circos que rodam o interior, que só diferem em tamanho daquele onde estavam 3 mil pessoas em uma matinê.
   Outra tragédia, até ontem a segunda maior causada por um incêndio, foi a do Edifício Joelma, em São Paulo, que rendeu as primeiras imagens impressionantes de uma cobertura de incêndio na TV brasileira. Mas é nesta mesma São Paulo que, no ano passado, praticamente uma favela era incendiada por semana, como se o próprio Nero fosse o prefeito, tentando desocupar as áreas habitadas pelos pobres.
   O fato é que há tragédias demais causadas não por forças naturais, por cataclismos, pelo imponderável, mas sim pelo descaso de quem reúne multidões em uma boate, um edifício, um avião, ou um circo, e pela inoperância e conivência de quem deveria fiscalizar.  A prefeitura de Santa Maria, o governo do Rio Grande do Sul e o próprio Governo Federal, estão agora dando todo apoio às famílias, e há um clima de comoção que tende a classificar esse fato lamentável como “obra do destino” ou uma “fatalidade”.
   Pois que ninguém se engane: essa foi mais uma tragédia anunciada e que poderia ter sido evitada.

(Publicado no JORNAL ITABORAÍ de 28/01/2013)