NÃO PERDOAR É NECESSARIO, ÀS VEZES
O PERDÃO NEM SEMPRE CURA UMA RELAÇÃO, MAS É EFICIENTE PARA RESTAURAR O BEM ESTAR EMOCIONAL.
O perdão é uma ferramenta de reconciliação. Sempre foi assim e continuará sendo, porém a reparação que o perdão realiza é para restaurar uma relação onde o amor verdadeiro está presente. O bem estar que o perdão restaura entre pessoas que se amam não tem que ser necessariamente direcionado ao amor conjugal. Se o amor, do tipo conjugal (se é que o amor pode ser “tipado”), nunca aconteceu, de fato, em uma relação, é claro que não pode ser restaurado.
Uma vez que não existe o verdadeiro amor entre duas pessoas, não há chance de ver essa relação evoluir para algo duradouro e feliz.
A permanência da relação sem o principal ingrediente a fará irreversivelmente incompatível enquanto assim persistir, trazendo sequelas que não poderão ser sanadas mesmo diante da liberação do perdão.
O perdão recupera o amor numa relação entre pessoas, independentemente do tipo de relação que as mesmas tiveram entre si antes da querela.
O perdão restaura o amor na relação entre pessoas que se perdoam, mas na condição de perdoados entre si talvez não haja interesse em dar continuidade ao relacionamento que existia antes do rompimento pelo fato de não ter sido atendido satisfatoriamente a expectativa.
Quando não existe interesse em continuar o tipo de relação que havia antes da querela, não significa necessariamente que o perdão não tenha acontecido, pelo contrário, a liberação do perdão restaura o amor e o amor anula aquilo que é falso, exclui o que é artificial e superficial e consolida aquilo que é profundo, real e verdadeiro.
Entretanto, em qualquer tipo de relação haverá sempre momentos de tensão que provocam sentimentos desconfortáveis deixando feridas emocionais de maior ou menor gravidade. Em casos onde tenha existido o amor conjugal verdadeiro numa relação, existe a possibilidade de uma restauração plena para alguns tipos de agressão, mas não para todo tipo de agressão.
A nossa cabeça não é como um computador que aceita a deleção de dados de forma a retornar a uma situação anterior ao evento como se os dados do período deletado não tivessem existido.
No nosso trato psíquico existem áreas que registram de forma permanente experiências desagradáveis, fruto de agressões que deixam ali suas sequelas. Dependendo da gravidade causam profundo sofrimento psicológico impossibilitando o cérebro, no campo das memórias, de refazer o seu estado de antes da agressão em função do registro e arquivamento do incidente que causou o sofrimento.
Certas atitudes são indeléveis.
Pode-se conviver com uma lembrança, mas não é possível extinguir os seus efeitos independentemente se são bons ou maus.
Atos ou palavras de bondade são como sementes do bem que florescem e curam da mesma maneira que a crueldade e ofensas funcionam para adoecer e matar sentimentos bons.
Certo tipo de atitude jamais pode ser tomada, e algumas palavras jamais podem ser ditas sem que deixem seus efeitos danosos permanentemente no trato emocional de quem recebe a ação. Dependendo da intensidade, esses atos deixarão danos irreversíveis na mente pela fixação, por parte da memória, do sofrimento causado pela devastadora expressão ou atitude. É como num ferimento qualquer, a dor pode ser detida e a ferida curada, mas uma cicatriz permanece no local para lembrar que ali houve uma lesão que causou muita dor.
Há um ditado afegão que diz:
Quatro coisas não voltam: O filho que parte, a flecha lançada, a águia que deixa o ninho e a palavra falada.
Não existe uma maneira de reverter em cem por cento o estrago feito pela incompreensão e por todo o conjunto de incidentes que levam um casal a um divórcio psíquico. O fato é que mesmo que os cônjuges venham a liberar o perdão entre si, sempre haverá um resíduo de dor para incomodar e fazer lembrar episódios ruins. Ninguém é suficientemente estável ao ponto de nunca passar por um momento depressivo que o leve a remoer algo que o tenha feito sofrer no passado. Alguns até podem tomar uma postura de sublimação e encapsular a lembrança em algum cantinho qualquer do cérebro, mas teme que algum dia ela escapula.
Apesar de aliviar a dor da decepção, o perdão não afasta a lembrança e nem altera a memória.
Se as pessoas envolvidas em uma relação estão empenhadas numa honesta atitude de perdoarem-se entre si após terem se agredido verbalmente por motivos externos à relação o mal estar se afastará , mas se entre eles não tiver sido consolidado o verdadeiro amor conjugal o resultado de se perdoarem é nulo e sem valor e, se, ainda assim, optam pela continuidade da relação por motivo de interesse alheio à relação, o compromisso de casamento continua valendo, mas sentimentos residuais ruins e desconfortáveis permanecerão na relação apesar do “perdão”. Mais que uma batalha, forma-se uma guerra dos cem anos. Faz-se necessário lembrar que o perdão supera o sentimento desconfortável da decepção, mas não restaura sentimentos que nunca aconteceram.
Quando aspei a palavra perdão, não significa que o perdão não tenha sido liberado, porém a continuidade da relação conjugal entre aqueles que se perdoaram pode ser parte de um equívoco. Muitos casais continuarão tendo problemas apesar do perdão. Devido à continuidade da relação, os elementos que geraram as dificuldades que provocaram a crise aparentemente resolvida com o dito perdão aspado, continuarão presentes, trazendo-a de volta em algum tempo. Casais compostos de pessoas com ideais diferentes entre si e que não demonstrem ter interesse em abrir mão deles, ainda que compartilhando o mesmo teto estarão sempre distantes um do outro, apesar de se perdoarem por quatrocentos e noventa vezes (setenta vezes sete).
DISCREPÂNCIA E DESENCONTRO DE IDEAIS
Discrepâncias que não foram levadas em consideração durante o período do namoro e noivado serão, sem dúvida, causa de querelas no casamento. No casamento essas discrepâncias vão se manifestar, inexoravelmente, e causar conflitos inadministráveis entre o casal e, à medida que se magoam, aprofundam proporcionalmente a dificuldade de se entenderem. Nesse compasso as coisas vão caminhar de maneira complexa e difícil dando início a um processo de sofrimento psíquico e emocional, que é o ingrediente básico para aquilo que chamo de Divórcio Psíquico.
Em um clima familiar assim há uma tendência de que essa situação se instale indefinidamente, tornando-se parte da relação fazendo com que a convivência se torne insuportável. Em primeira instância acontece um afastamento causado pela dor da decepção com o parceiro, crescendo em distanciamento à medida que a situação permanece inalterada. Se não houver um rompimento também de ordem física, com o afastamento dos envolvidos entre si, o que vai restar é um relacionamento de péssima qualidade e de administração complicada. Pessoas permanecerão casadas mais por uma questão de interesses pessoais ou religiosos do que propriamente por terem se livrado da dor da decepção ou do desencanto com a relação. O perdão não pode ser usado como artifício para segurar uma relação que nunca deveria ter acontecido. Perdoar e ser perdoado, às vezes importa em se afastar fisicamente e, apesar disso, continuar amando. Eu sei que parece meio controverso, mas às vezes é necessário que tenhamos que agir com clareza e dignidade nas nossas atitudes para alcançar certas metas.
Muitos casais, ao descobrirem que perderam o respeito que deveria haver entre si devido a situações que se instalaram na relação, se divorciam legalmente e se tornam ótimos amigos. Após o rompimento da relação conjugal passam a ter uma relação saudável como amigos e não é raro se redescobrirem, restaurando com dignidade, em uma nova relação, a felicidade conjugal que não conseguiram antes, agora, com motivações diferentes das que haviam na primeira experiência. Outras vezes não acontece assim, mas, nem por isso, são menos felizes e chegam assim à conclusão de que nunca deveriam ter se envolvido em uma relação como a que tiveram e descobrem que a convivência fraterna teria sido melhor opção do que viverem infelizes debaixo de um mesmo teto, na condição de casados.
Quando não optam pela separação passam a viver às turras, agredindo-se com palavras e gestos e se magoando novamente e novamente, diuturnamente. Essa condição leva o casal a viver uma vida de baixa qualidade, infelizes, tristonhos, desmotivados.
A vida é como um auto-estrada bem sinalizada. Todo motorista se sente seguro quando trafega por uma estrada que apresenta boa sinalização. Cada placa apresenta uma mensagem para o viajante, trazendo-lhe passo a passo informações preciosas de como deve agir ao longo do trajeto que está fazendo. Numa relação conjugal um conjunto de coisas serve de placas sinalizadoras para indicar a condição de saúde da relação. Esses sinais informam a cada integrante do casal como andam as coisas fazendo-os saber quando a relação não está bem e quais medidas tomar para reconduzir o veículo ao leito da estrada conjugal. Uma postura de discernimento deve ser utilizada para analisar qual decisão tomar, isenta de emocionalismo e outras influências externas.