Tirania da morenice
Há experiências vividas na adolescência que podem ser traumáticas se não forem bem assimiladas e devidamente superadas. Se para qualquer pessoa o olhar do outro é quase sempre a medida de todas as coisas, para um adolescente esta perspectiva de mundo normalmente é o que dita o seu comportamento. Se ele for tímido, então, aí o monstro fica realmente pavoroso.
Aos 15 anos, quando saí do interior para estudar em Salvador, tive que lidar com uma dessas situações traumáticas na adolescência. Algo risível hoje e tranquilo a ponto de ser registrado em um texto de jornal, mas um tanto difícil de ser digerido à época.
Na terra do sol e do mar a estética que prevalece é sempre a do corpo bronzeado. Assim, um “cara pálida” como eu pode perfeitamente ser chamado de branquelo, copo-de-leite, papel-ofício, vela, lesma, alma, furta-cor, branca-de-neve, ofusca-sol e outros tantos apelidos infames dados àqueles “seres-de-pele-alva-e-sensível” que têm com o astro-rei uma relação ambígua de amor e repulsa. Para eles a chegada do verão, que oficialmente acontecerá na próxima semana, pode significar um misto de alegria e medo, de leveza e constrangimento.
Para os adolescentes branquinhos a situação é ainda mais complicada, pelo menos em cidades e regiões onde prevaleçam a chamada “tirania da morenice”. Naturalmente já inseguros pelas espinhas, pela eterna insatisfação com o peso ideal e pelos zilhões de caminhos que querem seguir, eles têm na própria cor da pele um adicional a isso tudo.
Tudo bem que a situação não pode ser classificada como um problema de fato, mas como explicar isso para alguém de 15 anos com o corpo “branco-total-radiante” que resolve enfrentar o clube ou a praia após um longo período de hibernação? O drama da busca do corpo bronzeado pode ser bastante cruel nessa fase da vida em que estar por cima seja, talvez, o ponto crucial para se conseguir um(a) namorado(a) ou apenas para se sentir atraente, desejado(a).
Felizmente, ao contrário da minha geração, os adolescentes deste novo milênio são bem mais informados e conscientes dos perigos de querer “ganhar uma cor” a todo custo. Essa turma sabe que são essenciais alguns cuidados antes de se expor ao sol ou mesmo a bronzeamentos artificiais. O uso de protetor solar adequado e visitas mais constantes a dermatologistas são bons exemplos disso. Afinal, antes da vaidade é sempre uma melhor escolha a saúde e a aceitação de si mesmo.
Os branquinhos não precisam ficar se sentindo os patinhos feios do verão. Para as mulheres, principalmente, há aquele consolo de saber que muitos são os homens que adoram o visual “Merilyn Monroe”! Um deles, bem famoso, chegou a deixar isso bem explícito em uma música que compôs especialmente para a ex-amada branquelinha: “(...) que é que tu tem, que é que tu quer, tu que é tão rainha? Branquinha, pororoquinha, guerreira, é só minha (...)”. Caetano Veloso, na canção “Branquinha”, salvou a pele dessa tribo um tanto alienígena neste país tropical.